domingo, 11 de abril de 2010

DIÁLOGOS LUMPENZIANOS

 Negros Malês
 “Eu sou o réu e a vítima”
Da miséria vivida e do Caos citadino
Nos porões dos navios, perseguido
Nas naves, partido e aprisionado
Do descaso do Estado
Sou Pó que Pedra se torna morte
Na escuridão da noite ou no quente açoite nos frios dias

Sobrevivo à miséria dos tempos
Nessa fina linha que divide a mediocridade e a criação
Linhas imaginárias e divisas embranquecidas
Nos mares áridos do novo mundo
Em vida que se esfacela em ares
No absurdo
Em caça de mudos
Em Iorubá, Malê e Bantu:
Punhos cerrados,
Murros!

Sou o acaso dos casos mal feitos
O ‘Espírito do Mundo’ e o absurdo que vagueia pelas ruas da República!
Sou a miséria encarnada nos Becos
Vendo tudo do que sou vítima e réu
Na falência da vida...

Ambulante das coisas mal resolvidas
Mãos feias que enfeitam o Capitalismo
Sujo como a abundância de um Sistema
Que me torna réu e vítima
Da hipocrisia descabida
Da burguesia que ostenta
Mão-Branca que me orienta pela devassidão
Sou o silêncio na escuridão
Das finas noites na Caverna
Iluminada das Luzes que nunca ascendem
Na penumbra da multidão de flagelos

O som surdo e seco das moedas e dos tiros
Cheiro de papelão molhado,
Sangue pelo chão molhado
Na cidade permeada de mentiras
Donde me faço réu e vítima
Em castelos quentes de revolta
Que se desmancham com lágrimas de Janeiro
Da Caverna que se ergue em metal e concreto
Tomadas de assalto por Capitães-do-mato
Ofuscada pelos cantos
Pelos contos que se esfacelam na enxurrada
Das chacinas nas madrugadas
Como antídoto...

Saliva que escorre e destila o mais péssimo veneno
No silêncio nas ruas curvas e das elegantes turbas
Que perambulam pelo Caos que se torna réu e vítima
De uma história perdida
Engolida pela Peste
Pura e lentamente, Oblíqua e dissimulada
Nos cantos de tormento que lamento
Pela Barbárie de réu e vítima
Torna-me Peste encarnada
Na pele de Fantoches mortos
Pára vida...

Lumpens, Ratos, Autômatos e Fantoches
Nessa Fantástica Fábrica
Que na enxurrada de egoísmo
Imunda o Caos que se revela na Bonança burguesa
Com véu podre de ostentação
Podridão que nunca padece
Viva e sem refrão

Cheiro e presença que incomoda
Vida que não se percebe
Sou réu e vítima da Barbárie que se torna Peste
Das trancas nos porões que me torna vítima
Da miséria vivida de que sou réu
Silencia a madrugada na Grande Peça
Que se pode chamar Selva
Pode se chamar Morte
Composta de Ratos mortos e Fantoches
Com corpos jorrados nas calçadas
Jogados pelo réu que se torna vítima enquanto Caos inspira-me...

Mesmo assim,
Como réu,
Sigo por aqui,
Até o fim!
E seja como for:
No universo em desencanto
Desemboco no adverso
Por vezes em pranto
Se pá nem
Quando assim canto
Em poesia
Que sai de mim
Pra dizer das angústias
Em rimas pesadas, tortas, confusas,
Nos versos da luxúria
Donde na morte dou fuga
Astuto como a rua me ensinou:
– Seja na malandragem,
Na solidão,
Ou na minha intromissão em trancos nesse universo –,
Sujo em sangue
Quente e pulsante
Páginas amareladas em branco!
Husani Kamau
2006

Salve do Subsolo!

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