quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Fragmento #2: para quem passa fome, fim de feira não é vitória: é imagem da fartura que lhe foi negada


A “História” do Brasil contesta, com seu descompasso histórico e seu anacronismo entre ideias e realidade prática, as máximas universais da filosofia da história. Se a alhures disse-se: “a história somente se coloca problemas que pode resolver”, aqui parece que os problemas se colocam após sua resolução. Isto no plano da História. Já no âmbito da “história” (do cotidiano e dos discursos sócio-neurótico-políticos dos outsiders descolados), a passividade dos indivíduos – que aparece como seu contrário e como agressividade –, preza pela aceitação como submissão, pela ratificação do estabelecido com ares de revolução permanente e sem pressa e na medida do limite do possível – “o que poderia ser feito, de mais avançado, foi (...)”, dizem. Há ideias fora do lugar – ainda que em outro sentido. Ambas as histórias – História e “história” –, ligam-se exatamente no ponto em que se cruzam: quando a resolução a priori do problema ainda inexistente ratifica a realidade contraditória, que se mantém pela ultradesigualdade ao mantê-la. É como usar o bidê antes do vaso sanitário e, a ratificação – “revolucionária” e de um vermelho desbotado, não satisfeita consigo mesma –, vender o que boia no vaso como milagre do benevolente. O problema da História só se coloca, então, depois de se sucumbir completamente a ele e agraciá-lo: a escravidão só teve fim quando a resolução dos problemas que viriam com seu término já estava dada; o capitalismo somente é contestado, hoje, na medida em que o protesto mesmo é a assunção de um nível mais elevado, e mais potente, de capitalismo. De outra monta, as ideias da “história” somente ganham coro – para o bem e para o mal – quando aquilo que as alimenta já está ultrapassado: o que é ultrapassado é ultrarrealista e ultra-atual – pelo menos atual até o momento de sua fetichização e seu esgotamento crítico. “Amanhã ninguém sabe”: sabe-se, sim, que o problema de vinte anos de vigência será a última moda e que seu antecessor, o de ontem, será mais ultrapassado que estrada de ferro no Brasil. Em um caso, as ideias vão além da realidade para justificá-la quando de sua chegada; em outro, a realidade espúria agradece a ratificação através de discursos que relegam o essencial: a luta de classes, que vai além do poder das pedaladas – para o bem e para o mal.

Subsolo!



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