Instrumental Brazuca: Capítulo I - set feito a partir de meus discos nas pick-ups do meu parceiro Dj Tiago.
A cena: aniversário do Tiago, domingo de carnaval - o 'nosso' carnaval - churrasco, toca-discos, gente boa. O pedido foi para que preparasse um capítulo de 1 hora, mais ou menos. Na real, nem sabia quanto tempo havia no set (ainda não sei ao certo). Tirei os discos que queria da prateleira e fui colocando, um por um, anotando os sons, fazendo as sequências. 26 pérolas instrumentais. Meu primeiro "capítulo público" à partir de meus LPs. Resultado: um capítulo gostoso, bom de ouvir e tocar, só de sons instrumentais brasileiros, que vão da década de 1960 à de 1980. Por ter sido feito mais por fruição do que por sistema, saiu bem eclético, mesmo que limitado por algumas linhas fundamentais. Os discos, adquiridos, de uma forma ou de outras, com toda a paciência que um colecionador dessas coisinhas deve ter. A preocupação com o tempo ("ter tudo em um curto espaço de tempo"), para nós, some por completo. É um processo; Erfahrung, diria Walter Benjamin (o texto mais incrível do século XX: "Experiência e Pobreza"). Bildung! Um processo, talvez infinito, não muito calmo, cheio de intempéries, de acidentes... Contudo, o processo da vida vivida, que vai além das designações temporais do capital. É usar o tempo, simplesmente em si mesmo. Nada de valor, valor de troca ou seja o que for (por mais que a gente gaste muita grana comprando discos). É, em uma palavra, fruição, vida, experiência para além da pobreza moderna.
E onde começa o nosso gosto, nossa pesquisa infinda? No berço! Uma parte da família nos lega por tradição, transmite-nos valores que só nós podemos saber seus efetivos, por mais que demoremos tempos para percebê-lo (novamente, o texto de Benjamin faz muito sentido aqui!). E onde começa a amizade? Há alguns anos (talvez 7 ou 8), exatamente, por conta desses gostos, das experiências que se entrelaçam, unem-se, somam-se e crescem juntas. Afinidades eletivas? Sim, sim. Ninguém se relaciona com o outro que não tenha nenhum aspecto convergente. Em minha humilde concepção de 'filósofo desanimado', a ideia dessa relação é abstração sem fundamento.
Sobre os discos: Todos são de músicos brasileiros, alguns gravados aqui mesmo, outros fora do país; alguns só com músicos brasileiros, outros com estrangeiros (mesmo sendo os da pesada de lá). A real é que aqui, música, mesmo a popular, nunca foi valorizada, por nenhum dos âmbitos no qual poderia se concentrar. Até hoje, ouvir música brasileira de verdade é underground. Mesmo com a popularização e o retorno - mesmo que pálido - do vinil, essas coisas ainda estão circunscritas à nichos bem reduzidos. Enfim... Os discos são variados: têm Hermeto Pascoal num disco fantástico da década de 80; Quarteto Novo, de 67, com Airto, Hermeto, Théo de Barros e Heraldo Monte; Tom Jobim e seu Tide, de 1970, que dizem ser uma terminação do Wave, de 1967. Dom Salvador Trio, um disco também de 67 que, o original de época é uma mosca branca (o meu é uma reedição de 86); Roberto Menescal, Bossa Três, Milton Banana Trio, Manfredo Fest Trio, Jongo Trio e o Octeto de César Camargo Mariano, isso para dizer dos gravados no Brasil na década de 1960. Estes compõem a segunda parte do capítulo, no qual há uma guinada ao SambaJazz (quem me conhece sabe o quanto eu sou aficionado por isso!). Ainda há os sons de baile de Ed Lincoln, que, entre outras coisas e outros sons, mesmo dando outra guinada no final do set, foi necessário colocar essa música fantástica: Palladium, como fechamento. Há, na primeira parte do set, bastante coisa boa, gravada no Brasil ou nos EUA, de Airto Moreira, Eumir Deodato, o fantástico Donato-Deodato, e o fabuloso Moacir Santos e seu Saudade, original do Selo Azul. Além de uma edição Italiana do disco Summer Samba de Walter Wanderley (aliás, esse som foi usado pelo De La Soul em um sample no disco Stakes is High). Por fim, todos os discos conseguidos nessa busca de fruição, de prazer - além da reflexão - e em direção à fuga do establishment da sociedade moderna.
Bem, enfim, o capítulo é dedicado ao Tiago - e a sua família -, assim como foi no dia. E, também, à nossa busca incessante por cada vez mais sons, cada vez mais discos, cada vez mais prazer, não em ter, mas em poder viver isso, respirar melhor e aspirar coisas que, por maluco que seja, estejam na contramão de toda a "correria reverb" burguesa. Salve!
Instrumental Brazuca: Capítulo I
1. Spock na Escada - Hermeto Pascoal e Grupo [1984]
2. Baubles, Bangles And Beads - Eumir Deodato [1972]
3. Summer Samba - Walter Wanderley [1966]
4. Carly & Carole - Eumir Deodato [1972]
5. Remember - Tom Jobim [1970]
6. Romance of Death - Airto Moreira [1973]
7. Nightripper - João Donato & Eumir Deodato [1969]
8. Vim de Santana - Quarteto Novo [1967]
9. Whistle Stop - João Donato & Eumir Deodato [1969]
10. Tombo in 7/4 - Airto Moreira [1972]
11. Misturada - Quarteto Novo [1967]
12. Aquela Coisa - Hermeto Pascoal e Grupo [1984]
13. Amphibious - Moacir Santos [1974]
14. Fala de Samba que Eu Vou - Roberto Menescal e Seu Conjunto [1964]
15. Tema pro Gaguinho - Dom Salvador Trio [1967]
16. Tema Bossa Três - Bossa Três [1963]
17. Centenário - Ed Lincoln [1971]
18. Oras Bolas - Milton Banana Trio [1965]
19. Quem é Homem Não Chora - Manfredo Fest Trio [1965]
20. Primitivo - Milton Banana Trio [1965]
21. Samblues - Octeto de César Camargo Mariano [1966]
22. The Blues Walk - Ed Lincoln [1964]
23. Balanço Nº 1 - Jongo Trio [1965]
24. Cidade Vazia - Milton Banana Trio [1966]
25. Noa... Noa - Milton Banana Trio [1965]
26. Palladium - Ed Lincoln [1964]
Instrumental Brazuca! [Ouça!]
Salve do Subsolo Urbano!