A
combinação social do trabalho alienado dentro do contexto capitalista faz com
que a produtividade, as capacidades de trocas, em suma, a relação social seja
domínio pleno do movimento do capital. A troca de trabalho vivo por trabalho
objetivado que se dá na produção é a expressão da vontade abstrata da coisa.
Esta coisa – o capital, trabalho morto – surge com força consciente, mesmo em
sua inconsciência. É o poder para determinar as relações, desde a própria
produção, que institui e constitui a formação social capitalista. Há, aqui, a
inversão fetichista da produção: o objeto torna-se sujeito, determina as
relações; os indivíduos, isolada ou coletivamente, são momentos coisificados
dentro do processo. Estes indivíduos são determinados pelo movimento autônomo
do objeto, aquele do qual fazem parte na produção. Desse modo, partindo da
combinação social que tem o capital como sujeito, “a desapropriação do poder
produtivo do trabalhador ocorre no próprio processo de produção” (NEGT &
KLUGE, 1999, p. 104).
Assim
sendo, o capital, como “potência econômica da sociedade
burguesa, potência que domina tudo” (MARX, 1993, p. 107), aparece no processo de trabalho de acordo com suas
relações específicas. Não somente como material e meio de trabalho, aos quais
pertence o trabalho e incorporando a si mais trabalho para a valorização do
próprio capital. Juntamente à anexação do trabalho, o capital absorve as
combinações sociais daí surgidas. Tais combinações, tanto objetivas quanto
subjetivas, expropriadas do trabalhador individual e coletivo, desenvolvem-se
como forças estranhas que dominam o trabalhador. Estas forças são propriedade
imanente do capital. O conjunto deste movimento surge como um processo social
específico. Os fins particulares dos indivíduos e suas vontades conscientes
estão subsumidos à totalidade do processo. Este aparece, em sua efetiva
objetividade, como natural. Mesmo que a produção social surja da interação
entre indivíduos supostamente conscientes, ela não os pertence. E esta mesma
interação produz um poder social combinado, estranho, independente e situado
para além das consciências e poderes individuais e combinados dos Homens. Dessa
forma, o capital adquire objetividade auto-determinada, transformando-se em
sujeito na medida em que configura mais sua coisidade, por ter incorporado o
trabalho e as determinações sociais como seus momentos. Sua forma de
existência, neste sentido, é de uma autonomia efetiva face aos indivíduos. É no
processo produtivo alienado que o capital a adquire. Oskar Negt e Alexander
Kluge, no texto O trabalhador total, criado pelo capital com força de realidade, mas que é
falso, mostram que esse poder do
capital engendra-se no ato da produção. Segundo o texto:
O capital, à medida que subtrai da força de trabalho socialmente
produtiva uma das sínteses que partem dele, institui uma combinação, com poder
de realidade, da força de trabalho social. O capital não incorpora apenas o
trabalho social, portanto, mas também as combinações sociais da força de
trabalho, que se acumulam diante do trabalhador individual sob a forma de poderes
sociais. (NEGT & KLUGE, 1999, pp. 104-5).
É o capital em si e para si que possui realidade e
determina todos os momentos da totalidade social a partir da produção alienada.
Desse modo, o fetiche da mercadoria, aquele objeto que aparece como sujeito após
seu desligamento dos produtores, é somente a aparência, a superfície do
processo produtivo fetichizado. Não é o produto acabado que se mostra alheio
aos indivíduos, assim como a alienação não ocorre após a produção, relativo ao
objeto pronto e exteriorizado. É, antes, o processo produtivo que coordena a si
mesmo e independe totalmente das vontades e poderes individuais. Assim, o
processo produtivo do capital é movimentado por si, em sua plena autonomia.
Marx enfatiza e explicita o caráter de tal processo:
mais
complicada, porém, e aparentemente mais misteriosa torna-se a relação, à medida
que, com o desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista,
essas coisas – esses produtos do trabalho, enquanto valores de uso e também
valores de troca – não apenas ganham vida e se defrontam com o trabalhador na
condição de capital, mas também se
apresentam à forma social de trabalho como formas
de desenvolvimento do capital e, por conseguinte, apresentam as forças
produtivas do trabalho social, assim desenvolvidas, como forças produtivas do capital. Enquanto forças sociais produtivas
elas são capitalizadas em face do
trabalho. De fato, a unidade comunitária
na cooperação, a combinação na divisão de trabalho, a aplicação das forças
naturais e das ciências na maquinaria opõem-se
ao trabalhador singular como algo estranho,
objetivo, como um dado. Elas parecem meras formas de existência dos meios de trabalho dominantes e que delas
são independentes, desde que eles apareçam objetivamente
e incorporem a visão encarnada no capitalista ou em seus representantes e os
anseios do ateliê em seu conjunto. As formas sociais de seu próprio trabalho –
subjetivo/objetivo – ou a forma de seu próprio trabalho social são relações
formadas de modo totalmente independente dos trabalhadores singulares; os
trabalhadores, subsumidos no capital, tornam-se elementos dessas formações
sociais, e não pertencem a ela. Assim, eles se opõem a elas como configurações do próprio capital, como
combinações que – diferentemente de seu poder de trabalho isolado – pertencem
ao capital, combinações que dele surgem e que a ele estão incorporadas. E isso,
por um lado, assume uma forma um tanto mais real quanto mais seu próprio poder
de trabalho é tão modificado por essas formas que se torna impotente em sua
autonomia fora desse contexto
capitalista; quanto mais, portanto, sua capacidade de produção independente é
quebrada; por outro lado, com o desenvolvimento inclusive tecnológico da
maquinaria, as condições de trabalho surgem como o trabalho dominante e, ao
mesmo tempo, o substituem, reprimem, tornam-no supérfluo em suas formas
independentes. (MARX apud NEGT & KLUGE, 1999, pp. 105-06).
A
imagem de um trabalhador total que se apropria da produção, que é “essência de
todas as atividades produtivas”, não é possível no contexto capitalista. Nas
sociedades onde o poder social combinado não pertence à produção, isto é,
naquelas ditas pré-capitalistas, a diferenciação, dando-se poder às classes
produtivas e tomando-se as classes estéreis como desnecessárias, faz sentido.
Contudo, na formação social burguesa, a aparência do poder produtivo pertence
às classes dominantes. “Surge a aparência
objetiva, fundamentada no próprio modo de produção, de que a classe
dominante seja a única classe produtiva da sociedade.” (NEGT & KLUGE, 1999,
pp. 103-04). Mesmo assim, apenas como aparência. No capitalismo, a produção é
engendrada e subsumida ao movimento abstrato do capital. Na primeira expressão,
o trabalhador total combinado ou o corpo social do trabalho aparece como o
sujeito que domina e o autômato mecânico como objeto; na outra, o próprio
autômato é sujeito, e os trabalhadores são coordenados aos órgãos inconscientes
como órgãos conscientes, e subordinados junto com aqueles à força motriz
central. Os trabalhadores singulares são membros de um organismo que trabalha.
Surge a cooperação independente da consciência do indivíduo. Não obstante,
fica-se impossibilitada a apropriação desse trabalho total por parte dos
indivíduos. “Para o trabalhador total parece totalmente fora de controle tudo
aquilo que os participantes singulares tentaram controlar durante toda a sua
vida. Nesse sentido, trata-se aqui de uma abstração real, concreta,
independente do pensamento.” (NEGT & KLUGE, 1999, p. 111). A primeira
expressão vale para qualquer uso possível da maquinaria em grande escala; a
outra caracteriza o seu emprego capitalista e por isso o moderno sistema de
industrial. O fetiche do capital faz com que ele próprio apareça como o
“demiurgo do mundo moderno”, “centro organizador da produção, compreendendo
todas as atividades sociais e [...] transformando-as em atividades produtivas.” (NEGT & KLUGE, 1999, p. 104). O poder de
apropriação do trabalho total é do capital. Ele que institui o trabalhador
total, tomando para si todas as capacidades produtivas dos indivíduos isolados.
Aquele trabalhador total, composto pela totalidade dos indivíduos produtores, na
sociedade capitalista, é desprovido de realidade, falso, posto pelo capital
como um de seus momentos de efetivação. Segundo Negt e Kluge:
fora do contexto capitalista, o poder
social de trabalho dos produtores é impotente, sua capacidade autônoma de
produção é quebrada. Embora seja objetivamente a fonte do valor e da mais-valia
e, por conseguinte, fonte também do capital – a base substancial da sociedade,
portanto –, ele parece, como afirma Marx, subjetiva e objetivamente desprovido
de realidade, impotente, como mera função do capital, que representa o
verdadeiro sujeito da síntese e da produtividade. (NEGT & KLUGE, 1999, p.
106).
Neste âmbito, o trabalho direto do proletariado está
circunscrito ao capitalismo, onde constitui um momento do capital, mesmo que
contraposto a ele. A classe trabalhadora, desprovida de autonomia, é essencial
para sua produtividade, não sua negação. Dessa forma, o capital, segundo
Giannotti (1984, p. 114), necessita de duas condições para sua plena
realização: “de um lado o trabalho livre, propriedade do trabalhador, passível
de ser comprado a dinheiro, de outro a separação desse trabalho das condições
objetivas de sua realização, a saber, a destruição das formas de propriedade em
que o trabalhador se apropria dos meios de produção como se fossem seu corpo
inorgânico.”. Consideram-se, na presente interpretação, as classes sociais
essenciais ao capitalismo – capitalistas e trabalhadores – “não como sendo os
criadores da sociedade capitalista, mas como suas criaturas.” Elas não são
“atores da sociedade capitalista, são agidas por ela.” (JAPPE, 2006, p. 90). A
classe trabalhadora, diferente do que se afirmou durante todo o século XX,
supostamente contraditória ao capital, não é sujeito da emancipação humana, da
suprassunção do capitalismo. Por outro lado, os capitalistas também não são os
efetivos dominantes do processo produtivo. Eles não “dirigem a sociedade seguindo a maldade de uma
vontade subjetiva de explorador” (GRUPO KRISIS, 1999, p. 25). São, contudo,
personificações do capital, mera aparência concreta da dominação abstrata.
Somente detêm o poder por esse meio. São subsumidos ao movimento automático da
produção, assim como os trabalhadores, embora de forma diferenciada. Do mesmo
modo, Marx afirma que
uma vez
que o trabalho vivo – com a troca entre capital e trabalhador – se incorpora ao
capital e aparece como atividade a este pertencente desde o início do processo
de trabalho, todas as forças produtivas do trabalho social passam a desempenhar
o papel de forças produtivas do capital, do mesmo modo que a forma social geral
do trabalho aparece no dinheiro como propriedade de uma coisa. Assim, a força
produtiva do trabalho social e suas formas particulares se apresentam então na
qualidade de forças produtivas e formas do capital, do trabalho materializado,
das condições materiais (objetivas) do trabalho – as quais, nessa forma
independente, em face do trabalho vivo, se personificam no capitalista. (MARX,
1987, s/ página).
O fetichismo aparece como inversão real, expressa na
produção social, com o capitalista aparecendo como encarnação do caráter social
do trabalho alienado e da grande indústria. Isto revela que o conflito entre
capital e trabalho, entre burguesia e proletariado é intrínseco ao capitalismo
e tende a ser, também, superado com a suprassunção do modo capitalista de
produção. “Trabalho assalariado e capital mais não são do que dois estados de
agregação da mesma substância: o trabalho abstrato coisificado em valor. São
dois momentos sucessivos do processo de valorização, duas formas do valor.”
(JAPPE, 2006, p. 94). O capitalista e o operário assalariado, em si, são
simplesmente a encarnação, a personificação do capital e do trabalho alienado.
As classes sociais existentes nesse processo não passam de executoras da lógica
das componentes do capital. Marx, neste sentido, diz que “o capitalista
funciona unicamente como personificação do capital, o capital enquanto pessoa, da
mesma maneira que o operário mais não é do que o trabalho personificado.” Por
conseguinte, a dominação de classes é a aparência do real domínio da “coisa
sobre o homem, do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do produto sobre o
produtor”, um processo “que, decerto sob um ângulo, nos mostra, num dos pólos,
o capitalista tão submetido ao capital quanto o operário, no pólo oposto” (MARX
apud JAPPE, 2006, p. 90). A
unicidade entre trabalho e capital, essa unidade contraposta que forma a
produção social capitalista, que se personifica no trabalhador alienado e no
capitalista, ambos desprovidos de realidade, compõe a totalidade efetiva do
capitalismo.
Isto demonstra que a análise marxiana não recorre a
tachar o capitalista como ‘mau’, não carrega em si nenhuma conotação moral, já
que o próprio capitalista, como personificação do capital, determinado por
este, só age como tal por ser peça da engrenagem a qual ele mesmo não gira. “O
funcionamento estrutural do capitalismo não está ligado à ‘sede de lucro’ nem à
‘rapacidade’ de um grupo social.” Contudo, “os detentores do capital não são
vítimas inocentes: prestam-se muito interessadamente a desempenhar o papel que
lhes cabe. Mas não são capazes de controlar um processo que é impulsionado
pelas contradições internas” dessa sociedade (JAPPE, 2006, p. 91). Logo, os
capitalistas estão submetidos à autovalorização tautológica do capital. Capital
e trabalho, portanto, são momentos reflexivos de uma relação social total,
presidida pelo processo produtivo capitalista.
O capitalista, neste sentido, caracteriza-se apenas como
expressão imediata da dominação social. Por trás deste imediatismo, o capital
aparece como o grande dominador da sociedade, inclusive da burguesia que,
supostamente, controla o processo. Não há um sujeito dominante nesta sociedade,
tampouco um sujeito histórico que carrega em seu bojo a superação dela. No
entanto, o fetichismo, caracterizado por Marx, admite a existência efetiva de
um sujeito, mas ele não é composto pelos Homens, nem são eles mesmos. São,
antes, suas relações objetivadas. Os indivíduos, assim, aparecem subordinados à
produção. Tanto trabalhadores assalariados, quanto capitalistas são momentos
integrantes do movimento autônomo da coisa. A teoria marxiana da inversão
fetichista assume que o verdadeiro sujeito é o capital, trabalho morto, e que o
Homem não é mais do que o executor de sua lógica. “Aos homens, a sua própria
socialidade e a sua subjetividade surgem-lhes submetidas ao automovimento
automático de uma coisa.” (JAPPE, 2006, p. 92). Ainda assim, deve-se frisar que
não são propriamente as coisas que reinam sobre os indivíduos e as classes, mas
só o fazem na medida em que subsumem as relações sociais, isto é, somente
quando estas se objetivaram nas próprias coisas. Neste sentido, a história da
formação do sujeito no capitalismo
não é
primordialmente a história de uma substância que é sujeito em formação, mas
antes de um sujeito formado e em automovimento – o capital, ‘sujeito
automático’ [...] – que impõe o trabalho como ‘um fim em si mesmo’.
Um sujeito que se erige a partir das relações sociais reais, só que
autonomizadas e transfiguradas em ‘curso das coisas’. Uma ‘razão’, enfim, que
forma um ‘mundo’ [...], cria uma cultura [...] e uma civilização material,
produz seu espaço, determinando a realidade e a consciência de classes como
seus ‘suportes’ funcionais (DUARTE, 1999, p. 4).
Os Grundrisse caracterizam explicitamente o
capital como substância que se move por si mesma e que é o sujeito social.
Sugere-se, assim, que existe de fato no capitalismo um sujeito histórico, não o
identificado com algum grupo social, como o proletariado, nem com a humanidade.
Marx analisa-o, sobretudo, em termos de estrutura das relações sociais,
estrutura esta constituída por trabalho objetivado e captada pela categoria
capital. Tal sujeito é abstrato “e não pode ser identificado com nenhum ator
social” (POSTONE, 1993, pp. 75-76): consiste-se em relações sociais reificadas.
Segundo os Grundrisse,
essas relações de
dependência objetiva também aparecem em oposição às relações de dependência
pessoal (a relação de dependência objetiva nada mais é do que as relações
sociais que enfrentam de modo autônomo os indivíduos aparentemente
independentes, isto é, suas relações de produção recíprocas autonomizadas
diante deles mesmos) de maneira que os indivíduos agora são dominados por
abstrações, enquanto antes dependiam uns dos outros. Porém a abstração ou idéia
não é senão a expressão teórica daquelas relações materiais que dominam. [...].
Naturalmente, relações só podem ser expressas em idéias e assim os filósofos
tomaram como característica da época moderna [o fato de] os indivíduos serem
dominados pelas idéias, e identificaram a produção da livre individualidade com
a derrubada dessa dominação das idéias. O erro era do ponto de vista ideológico
tanto mais fácil de cometer, porque aquela dominação das relações (aquela
dependência objetiva que de resto se transforma em relações de dependência
pessoal determinada, só que despida de toda ilusão) na consciência dos indivíduos
aparece como dominação das idéias, e a crença na eternidade dessas idéias, isto
é, daquelas relações de dependência coisal é, é claro, reforçada, alimentada, e
inculcada por todos os modos pelas classes dominantes. (MARX, 1993, pp.
164-65).
O fato está em que não é simplesmente
uma abstração dominante, que determina a efetividade sem antes ter surgido
dela: engendra-se na produção social. Tal abstração consiste em uma forma
historicamente específica de interdependência, de caráter impessoal e objetivo.
São, ainda, constituídas por formas determinadas de prática social e, além
disso, tornam-se independentes das pessoas engajadas nessas práticas. Neste
processo, “o resultado é uma forma de dominação social nova e crescentemente
abstrata – uma forma que subordina as pessoas a imperativos estruturais
impessoais e a restrições que não podem ser adequadamente captadas em termos de
dominação concreta (isto é, dominação pessoal ou de grupo) [...].” (POSTONE,
1993, pp. 3-4). Além disso, essa forma efetiva de dominação é expressa no
trabalho objetivado. Marx caracteriza tal dominação fundada no trabalho morto
como força estranha ao trabalho vivo: a dominação, portanto, “está fundamentada
na forma valor da própria riqueza, uma forma de riqueza social que contrapõe o
trabalho vivo (os trabalhadores) a uma força estruturalmente alheia e
dominante.” (MARX, 1993, p. 831). A abstração, portanto, consiste justamente na
síntese da produção: a relação social capitalista. Não são as pessoas que a
moldam; antes, são moldadas por ela. Ainda, no Manifesto do Grupo Krisis,
fala-se do trabalho formador: “trabalho forma a personalidade. É verdade. Isto
é, a personalidade de zumbis da produção de mercadorias, que não conseguem mais
imaginar a vida fora de sua Roda-Viva fervorosamente amada, para a qual eles
próprios se preparam diariamente.” (GRUPO KRISIS, 1999, p. 25). O trabalho, de
tal maneira, ao invés de formar a personalidade dos indivíduos, enquanto
experiência, forma a personalidade do capital no momento mesmo em que coisifica
as pessoas ao seu próprio modo. Assim, no capitalismo o trabalho social não é
somente o objeto de dominação e exploração, mas é ele mesmo o fundamento
essencial de dominação.
Moishe Postone chama estas formas
sociais impessoais de dominação abstrata.
Esta dominação não apenas encobre o que foi visto equivocamente como as reais
relações sociais no capitalismo, isto é, as relações de classe; antes disso,
elas são as efetivas relações sociais – o capital como síntese – e estruturam a
totalidade social. Seguindo as análises de Marx, fundadas nos Grundrisse e em O Capital, Postone expressa estas relações da seguinte forma:
na análise de Marx, a
dominação social no capitalismo, em seu nível mais fundamental, não consiste na
dominação das pessoas por outras pessoas, mas na dominação de pessoas por
estruturas sociais abstratas constituídas pelas próprias pessoas. [...]. Desse
modo, uma marca central do capitalismo é que as pessoas realmente não controlam
sua própria atividade produtiva ou o que elas produzem, mas são, em última
instância, dominadas pelos resultados desta atividade. Esta forma de dominação
é expressa como uma contradição entre indivíduos e sociedade e constituída como
uma estrutura abstrata. [...]. Esta dominação abstrata não somente determina a
finalidade da produção no capitalismo, segundo Marx, como também sua forma
material. (POSTONE, 1993, p. 30).
Diferentemente das relações de
dominação pré-capitalistas, que eram de ordem pessoal, direta e concreta,
aquela que ocorre no sistema regido pelo capital é resultado de categorias
funcionais fetichizadas pertencentes ao movimento autônomo e peculiar da
produção social. Neste âmbito, é o trabalho abstrato o cerne da sociedade
capitalista: é por meio dele que se subsume a totalidade à produção de capital.
Portanto, não se trata de uma dominação de classes, do proletariado pela
burguesia. Tampouco a superação do capitalismo deve ocorrer com a simples
tomada do poder pelos trabalhadores: o mesmo poder, apenas com outro sujeito
reificado situando-se por cima da relação. Os próprios trabalhadores, isto é, o
tipo de trabalho fragmentado, alienado e coisificado deve ser superado para a
suprassunção efetiva desse sistema fundado na produção de valor e capital. Com
isso, não é a mudança no modo como uma classe distribui a riqueza social – ou
mesmo a alteração da classe que supostamente possui o poder de determinar a
sociedade –, mantendo-se a estrutura fundamental fetichizada e subordinada à
produção autônoma, que poderá efetivamente transformar a sociedade. Isto só faz
alterar sua superfície. Neste domínio, somente com a superação do trabalho –
consequentemente da produção fetichizada –, em todas as suas dimensões, que se
poderá vislumbrar a supressão da dominação reinante.
REFERÊNCIAS
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retorno: as razões de um ‘Manifesto contra o trabalho’. In: GRUPO KRISIS. Manifesto contra o trabalho. Tradução de
Heinz Dieter Heidemam e Cláudio R. Duarte. Coletivo Sabotagem, 1999, pp. 3-12.
FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica e Política: investigações
para uma reconstituição do sentido da dialética. 3º tomo. São Paulo: Ed. 34,
2002.
GIANNOTTI, José Arthur. O
Ardil do trabalho. In: ___. Trabalho e
reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. 2ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1984, pp. 80-125.
GRUPO KRISIS. Manifesto contra o trabalho. Tradução de
Heinz Dieter Heidemam e Cláudio R. Duarte. Coletivo Sabotagem, 1999.
JAPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria: para uma
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MARX, Karl. Grundrisse: foundations of the Critique of Political
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___. Maquinaria
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por Jesus Ranieri. 2008. Disponível em:
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Acesso em: 26 jul. 2010.
NEGT, Oskar & KLUGE, Alexander. O trabalhador total, criado pelo
capital com força de realidade, mas que é falso. In: ___. O que há de
político na política?: Relações
de medida em política. 15 propostas sobre a capacidade de discernimento. Trad.
João Azenha Júnior; colaboração Karola Zimber. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, pp.
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POSTONE, Moishe. Necessity, Labor, and Time: A Reinterpretation of the
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___. Time, labor and social
domination: A reinterpretation of Marx’s critical theory. Nova York: Cambridge University
Press, 1993.
TAVARES, Maria da
Conceição. O Movimento Geral do Capital: (um contraponto à visão da
auto-regulação da produção capitalista). In: FIGUEIREDO, Eurico de Lima;
CERQUEIRA FILHO, Gisálio; KONDER, Leandro (Orgs.). Por que Marx?. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983, pp. 233-56.
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