(ou a consagração da parvoíce)
Nestes tempos
imemoriais, olha-se para baixo como se se olhasse para o horizonte. O Umbigo é
o norte. Todos querem tê-lo; e mais: todos querem ter o seu. E nada mais. O Umbigo revela, dialeticamente, as contradições
da Coisa. Por um lado, a assunção do
projeto ideal burguês de efetivação plena da subjetividade sem limites e
condicionamentos. Por outro, a realidade burguesa do esmagamento e supressão do
sujeito – ainda que, no plano disparatado do indivíduo-umbigo isto não ocorra.
A Dialética do Umbigo é uma
continuação secular da Dialética da
Malandragem. A mônada ambulante que encarna nos donos de umbigos quer se
ajeitar nesse mundo, quer seu quinhão, sem, no entanto, admitir tal
requerimento. Quer seu quinhão mas o nega: o indivíduo quer ser sujeito – que,
em conceito, traz em si alteridade – ao se igualar a todos. Sua radicalidade no
protesto é seu perecimento mais profundo. A mônada subjetiva, todavia, somente se
satisfaz quando outras, juntas e idênticas a ela, formam apenas uma, em coro
uníssono – superam Leibniz! “O Umbigo
é meu e faço o que quiser” – inclusive, sem saber, ficar sem ele. Mônadas, ou
Umbigos, numa sociedade de classes não são revolucionárias. São, quando muito,
o centro que se acha especial e que para nada serve – tal com um desforrado
umbigo – e, sem precedentes, assumem todas as mazelas do movimento do corpo.
Acham-se coração e cérebro: no fundo, e no fundo mesmo, só se entopem de
sujeira difícil. O possuidor do umbigo, um experto,
veste várias peles ao mesmo tempo em que se acha defendendo plenamente uma – a sua.
Se antes havia aqueles que liam o mundo só que voltados ao umbigo, hoje há
aqueles que leem o umbigo voltados para seu
mundo. “Seu mundo”: sua suposta
projeção que arregaça as mangas e luta com unhas e dentes para que consiga se
igualar aos outros, independente das desigualdades, ainda que digam – e queiram
até – o contrário! Se antes a desigualdade poderia criar a revolta de sua
superação, agora causa a má-consciência daquele que quer ser “igual”
mantendo-a. O “Grande Umbigo”, em sua face protofascista,
independente de sua cor, é a superação da luta de classes: negam-se as classes
por má-consciência e pelo trauma recalcado; quer-se manter as classes, pois o
que seria do Umbigo se ele não tivesse algum inferior para quem aparecer e que,
ainda mais, servisse de aporte de descarrego de sua culpa expressa, tanto
latente quanto ultrainternalizada? Protofacista:
assumir o “compromisso” da individualidade abstrata, do coletivo uníssono e
estéril que lê o mundo somente como
quer – projeta sua “umbiguidade” no mundo para conseguir retê-la, mais tarde,
em “teoria”. Assumir, por fim, a fragmentação do “cada umbigo por si”; e mais ainda: “se meu umbigo for igual ao seu – e se consentir em se sujar como o meu – estarei ao teu lado”. Aliás, ai daquele
que tiver umbigo de outro matiz e quiser meter o bedelho no umbigo alheio! Ai!
A Dialética do Umbigo revela que a dominação total – ideológica –
pôde se tornar real porquanto agora são os próprios dominados que se digladiam
e assumem, concomitantemente, as pautas do “Grande Irmão” como suas. Revela,
ainda mais, que o umbigo de cada um está acima do problema real: o umbigo é a
solução de seu próprio problema, ou a criação deste, e vice-versa – seja lá o
que isso possa significar!