sábado, 20 de março de 2010

Menininho Preto

  Show do lendário Pete Rock - Sesc Pompéia, 2007
 
Eis o Menino Preto, que dorme em papelão e come resto de farelo. Menininho Preto era guerreiro em sua Tribo. Menininho Preto é considerado bandido. Espoliado pelo tempo, pelas nuvens Brancas da cidade dura, que pairam em seu redor. Orbitam mansões em torno dele. Menininho Preto fazia canções nas terras de sua Terra. Era poeta, caçador, guerreiro. Hoje Menininho Preto é trapaceiro, sobrevivendo das fraudes que dá na vida, das mortes que escapa nas esquinas. Antes se via nos espelhos d'água quando bebia. Hoje o que vê são fantasmas nas vitrines, nas grandes telas que assiste. Vê estranhos de todos os tipos. Não existe mais espelho d'água. O concreto não reflete seu brio no imenso frio que encobre a cidade com nuvens Brancas. Menininho Preto era poeta. Fazia canções para seu povo que dançava em roda. Abraçava seus pares. Fazia festa nas cópulas das árvores. Menininho Preto não vê mais árvores. O único verde que vê na cidade são os coletes ambulantes que, de vez em quando, trazem um lanche. Menininho Preto era valente. Menininho Preto é valente. Sobrevive sob chuvas, ventos, pancadas, tiros, tormentos. Tem instinto. Já fugiu de lanças no encalço do seu vício. Já fugiu de chamas que alimentam o seu vício. Já se viu em amas que alimentavam seu espírito. Já não mais vê seu espírito. Menininho Preto é guerreiro. Sua roupa suja, seu cabelo crespo. Outrora era visto com orgulho no terreiro. No celeiro, preso, trancafiado, hoje é visto com nojo e estranho por ser Menininho Preto guerreiro que se arrasta em papelão, às vezes sujos, às vezes ensangüentado, mas sempre sobrevivendo, seja chão gelado, seja murro quente. Menininho Preto é valente. Menininho Preto pede, mas ninguém entende. Menininho Preto fede, mas ninguém sente. Menininho Preto sente, mas ninguém percebe. Menininho Preto era visto com orgulho em sua Tribo. Menininho Preto era Menininho Preto e ponto. Era ele. Não pode mais ser Menininho Preto se quiser ser Menino. Não pode mais ter cabelo, espelho, orgulho de ser Menininho Preto. Mas Menininho Preto é Menininho Preto, na miséria e no tormento, no talento que dispensa para sua Tribo. Faz parte de outra Tribo. Mas ainda é valente. Guerreiro, foi trancafiado no porão. Açoite, tapa nas ventas. Suas roupas queimadas. Sua Tribo deixava. Seu orgulho de ser Menininho Preto estremecia na Senzala. Seu orgulho de ser Menininho Preto se refazia nos Quilombos. Menininho Preto é valente. Lutou em outra Tribo. Venceu e foi vencido. Menininho Preto é banido. Tornaram-no bandido. Com seu talento ergueu castelos. Mas Menininho Preto veio do Tumbeiro. Não pode ter castelo. Menininho Preto era Príncipe. Não pode ter castelo. Mas é guerreiro, valente, poeta. Fez desses castelos cantos onde se encosta. Fez cantos, onde Menininho Preto dorme. Menininho Preto lutou. E foi jogado de canto. Fez poesia, fez ritmo, fez dança, fez jogo, fez rito. Foi Morto. Menininho Preto foi morto. Menininho Preto é culpado por ser Menininho Preto.
Husani Kamau
Salve do Subsolo!

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