[Nota explicativa: Todos os textos ora publicados no Diálogos do Subsolo fazem parte dos meus estudos sobre a categoria trabalho no capitalismo e suas modificações e novas estruturações contemporâneas. É claro, são, em grande parte, introdutórios e indicativos de uma problemática de maior alcance e abrangência. Neste sentido, a intenção é a tentativa teórico-prática de alcançar e entender a estrutura da sociedade atual pensando na idéia de totalidade abrangida pelo trabalho estranhado. As idéias, todos elas, são expressamente baseadas nas leituras de Karl Marx, principalmente daqueles textos da chamada maturidade da teoria marxiana, nos quais o trabalho aparece de forma diferenciada, sendo visto com formação específica na sociedade moderna (vide Capitalismo). Enfim, tais textos aqui publicados são apontamentos para uma superação da dicotomia clássica do Marxismo e, também, visando suprassumir, é claro, o próprio capitalismo. - São aceitas críticas, observações, sugestões de todas as espécies e etc. - Salve do Subsolo]
No final do século XX tende a surgir uma nova estrutura de organização do trabalho em escala mundial. A tomada, em âmbito global, de todos os níveis de relação pelo movimento do capital faz com que o mundo do trabalho se interligue em todo o planeta. Novas formas de organização do trabalho, unidas às precarizações e desestruturações da classe que vive da venda de sua mão de obra ao capital, fazem com que tal globalização reitere uma diferente e única estrutura mundial. Longe de a classe que vive do trabalho sumir, aparecem formas de trabalho que abarcam, a partir do enxugamento do modelo produtivo em vista de um mais eficiente, compondo-se pelos trabalhos de meio expediente, as terceirizações, o alavancamento do terceiro setor, flexibilização do horário e dos modos de trabalho (o que implica numa superexploração do trabalhador), em suma, novos modos de o capital fazer-se crescer a si próprio, sempre em movimento ascendente.
Desse modo, o trabalho já não está mais centrado totalmente no proletariado industrial. Antes, mesmo que ainda ele seja o nervo central, a organização do trabalho se amplia e, para abarcá-la, faz-se necessário, também, uma ampliação do conceito. Para entender como se configura a classe trabalhadora nesse processo, Ricardo Antunes e Giovanni Alves colocam da seguinte forma:
Compreender, portanto, a classe-que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora hoje, de modo ampliado, implica entender este conjunto de seres sociais que vivem da venda da sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção. Como todo trabalho produtivo é assalariado, mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção contemporânea de classe trabalhadora deve incorporar a totalidade dos(as) trabalhadores(as) assalariados(as). (ANTUNES & ALVES, 2004, p. 343).
Ainda assim, é necessário frisar que mesmo com a flexibilização e com o aumento daqueles trabalhos aparentemente improdutivos (isto é, que não criam valor), eles são incorporados pelo capital de maneira tal que auxiliam – mesmo quando parecem se contrapor, ainda que de forma mínima, ao capital – no desenvolvimento do sistema centrado na exploração – agora superexploração – da mão-de-obra (trabalho vivo ou direto), visando a superprodução de mais-valia.
Neste contexto, o mundo do trabalho torna-se cada vez mais transnacionalizado. Ele está interligado, diretamente, em escala global pela produção:
no contexto do capitalismo mundializado, dado pela transnacionalização do capital e de seu sistema produtivo, a configuração do mundo do trabalho é cada vez mais transnacional. Com a reconfiguração, tanto do espaço quanto do tempo de produção, novas regiões industriais emergem e muitas desaparecem, além de inserirem-se cada vez mais no mercado mundial (ANTUNES & ALVES, 2004, p. 341).
Com isso, surge a flexibilização do modo de produção de capital. Isto faz com que o trabalho seja cada vez mais precarizado, tanto pela redução do trabalho especializado e estável, dos vários modos de trabalho que surgem, como, consequentemente, da grande quantidade de desempregados criados por esse processo. A flexibilização, tanto do trabalho quanto, principalmente, do capital, trazida pelo toyotismo, implica na interligação do mundo pelo movimento da produção. Assim,
Com o desenvolvimento da lean production [produção enxuta] e das formas de horizontalização do capital produtivo, bem como das modalidades de flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo, da introdução da máquina informatizada, como a “telemática” (que permite relações diretas entre empresas muito distantes), tem sido possível constatar uma redução do proletariado estável, herdeiro da fase taylorista/fordista. (ANTUNES & ALVES, 2004, p. 337).
Paulo Sérgio do Carmo, em seu texto O trabalho na economia global (1998) reitera a idéia de que está é uma tendência que transforma por completo a relação que anteriormente existia entre trabalho e capital. Diz Carmo:
a produção flexível, longe da rigidez do fordismo, apóia-se na flexibilidade organizacional do trabalho, das formas de contratação do trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Agilidade e eficiência nas tomadas de decisão constituem princípios básicos para a luta pela concorrência. Cada vez mais se estreita o tempo para tomar decisões, exigindo mais rapidez de resposta por parte das instituições públicas e privadas. (CARMO, 1998, p. 46).
E o autor complementa:
Como conseqüência, essa política econômica flexível tem resultado em desemprego, postos de trabalho mal remunerados, retrocesso do poder sindical, destruição de antigas habilidades e construção de novas, além do aumento da capacidade de fabricação de uma variedade de artigos em pequenos lotes a preços baixos e com rápidos giros de estoques. Houve também a flexibilização do processo de produção, capacitando as empresas a responder às diferentes necessidades do consumidor no mercado instável e fugaz. (CARMO, 1998, p. 46).
De tal modo, o capital consegue um feito inédito na história do capitalismo: a subsunção real do trabalhador ao capital (ANTUNES & ALVES, 2004). Fica evidente que o capital, na produção da vida material por meio das várias instâncias do trabalho estranhado (e isso incluí as múltiplas novas formas de organização do mundo do trabalho), ao se abstrair fugindo ao controle daqueles que o produzem, se humaniza na desumanização do trabalhador estranhado: ele se autonomiza coordenando seu próprio movimento e o das esferas submetidas a si. Assim, inclusive a esfera privada do trabalhador é submetida ao capital. Tais esferas são aquelas que envolvem como um todo o trabalhador na produção, incluindo-se as partes conscientes e psicológicas que, na fase anterior do capitalismo, eram somente formalmente submetidas ao capital.
Desde a sua origem, o modo capitalista de produção pressupõe um envolvimento operário, ou seja, formas de captura da subjetividade operária pelo capital, ou, mais precisamente, da sua subsunção à lógica do capital (observando que o termo “subsunção” não é meramente “submissão” ou “subordinação”, uma vez que possui um conteúdo dialético – mas é algo que precisa ser reiteradamente afirmado). O que muda é a forma de implicação do elemento subjetivo na produção do capital, que, sob o taylorismo/fordismo, ainda era meramente formal e com o toyotismo tende a ser real, com o capital buscando capturar a subjetividade operária de modo integral. (ANTUNES & ALVES, 2004, p. 344).
Neste sentido, o capital torna-se fetiche, edificado em sua produção, e tende a tomar e a controlar todas as esferas da vida em sociedade, desde sua própria produção quanto de suas sínteses, as quais a mais expressa é a relação social que também é suprassumida pelo movimento dominador abstrato do capital transnacional.
Sendo assim, a escalada do capital em âmbito global só tende a se contrapor aos indivíduos que vivem da venda de sua mão-de-obra. Em seu movimento autônomo, ele submete todas as instâncias da vida ao seu jugo. E, ao precarizar todas as esferas do trabalho assalariado e fragmentá-lo em várias esferas de organização, torna-se mais fortalecido. Fica patente, portanto, que a transnacionalização do capital torna-o mais forte e eficaz, subsumindo o trabalho ao seu movimento e tornando aqueles que vivem da venda da força de trabalho mais precarizados e instáveis em suas vidas individual e coletiva.
Referências bibliográficas
ANTUNES, Ricardo & ALVES, Giovanni. “As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital”. IN:
Revista Educação & Sociedade. Campinas, vol. 25, n. 87, pp. 335-351, maio/ago, 2004. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br CARMO, Paulo Sérgio do. O trabalho na economia global. São Paulo: Editora Moderna, 1998.
MARX, Karl. Capital e Tecnologia (Manuscritos de 1861-1863). Traduzido por Elídio Marques [tradução de extrato (pp. 161-164) do original em castelhano Capital y Tecnologia – Manuscritos Inéditos (1861-1863)]. 2009. Disponível em:
___. Maquinaria e Trabalho Vivo: Os Efeitos da Mecanização Sobre o Trabalhador. Traduzido por Jesus Ranieri. 2008. Disponível em:
NEGT, Oskar; KLUGE, Alexander. “O trabalhador total, criado pelo capital com força de realidade, mas que é falso”. In: ___. O que há de político na política? Relações de medida em política. 15 propostas sobre a capacidade de discernimento. Trad. João Azenha Júnior; colaboração Karola Zimber. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, pp. 103-34, 1999.
POSTONE, Moishe. Time, labor and social domination: A reinterpretation of Marx’s critical theory. New York: Cambridge University Press, 1993.