segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Processo Político, Politização e Eleições


[NOTA: Prestes a mais uma eleição, resolvi escrever algo. Bem, minha perspectiva pode ser irrelevante para alguns, talvez não para os "espíritos livres", que abrem mão de suas doces e tranquilas cristalizadas opiniões, e tentam sempre rever o que há por trás de tudo que parece cristalino e cristalizado. Minhas opções políticas são mais "visíveis", inclusive para mim, após a longa reflexão que envolve esse texto. Aliás, reflexão, pelo menos sobre esse determinado ponto, que vem me perseguindo há mais de 3 meses. A opção, mesmo dentro do status quo reinante, que vislumbro, é esta: Toninho Vespoli 50650 e C. Giannazi 50. Ainda, dentro das limitações que o texto tenta tratar com algum rigor, vejo alguma possibilidade de mudança, algumas alternativas nos partidos de esquerda, especificamente o PSOL. É claro, cada um é "livre" - ao menos supõe-se isso - para concordar, discordar etc., da "opção" e do texto. Fica ao critério de cada "indivíduo que se quer autônomo". Ao menos, leia e um debate mais limpo talvez se iniciará.]

Processo Político, Politização e Eleições

A cada ano que se passa, principalmente os ditos “anos eleitorais”, sempre tento, num silêncio entronizado, compreender todo o processo político que ocorre no Brasil “pós-abertura”. Algumas discussões acaloradas sempre são bem-vindas para que pontos de vista sejam desfeitos, refeitos, modificados, deixados de lado; todavia, nunca concludentes ou mesmo concluídos. Em outras, as opções que os “debatedores” nos colocam são tão estreitas que beiram o autoritarismo, mesmo na falta de consciência – ou no cinismo oportunista – em torno do processo daquele(s) que as propõem. Claro fica que sempre há algo para além do dado; e qualquer reflexão não-preguiçosa ou acomodada consegue, ao menos, ir para além desse autoflagelo da discussão já vinda coisificada, pois imposta por argutos retóricos ou pelo senso comum que se faz como garrafa pet no meio do oceano. O que fica, por fim, é uma confusa ordem do pensar sobre a realidade que tenta, ao menos, achar um fio condutor para toda essa realidade efetiva lamentável – mas real! – que ora se apresenta.

Alguns pontos são interessantes serem notados, para que, ao menos, fique clara a proposta dessa exposição.

Uma cultura falsamente politizada do povo – e digo “povo” não apenas o dito “povão”, vai além disso – confunde debate político com a reprodução de discursos prontos, velados e autoritários pela forma. A forma é de tal modo massificada que engloba conteúdos diversos. As discussões nos âmbitos periféricos, menos “esclarecidos” (e há um motivo para as aspas), jogam dentro de uma fórmula de “sim e não”, dúbia, questões acerca de futebol, religião, novela até política-propagandística. É o mesmo processo que toma conta de tais discussões. Não importa tanto saber o conteúdo delas. É relevante apenas a forma, já que é aqui que se dá o tom da coisa. Na forma se posta todo o autoritarismo da razão coisificada, por um lado; e, por outro, um certo tom positivista que leva em consideração fatos geralmente isolados entre si e só conectados de maneira bruta. Além disso, a pseudo-politização, em um dos lados, se dá engendrada por uma noção peculiar de individualidade. Cada indivíduo – atomizado e fechado em si mesmo – tem a sua “opinião”, sendo sempre ela a “mais adequada” para si, a mais pertinente e diferente das demais já que é a expressão concreta de si mesmo, do indivíduo. O debate ocorre entre mônadas que se digladiam sem, no entanto, se relacionarem. Por extensão, o “indivíduo sabedor do mundo” e de seus desenvolvimentos é o indivíduo “entendido”, aquele que “sabe o que quer” e “sabe o que faz”. Ele, caso tomemos as eleições como parâmetro, vota sempre consciente de seu voto, assim como argumenta consciente sobre o desenrolar da novela e sobre o preço do tomate na feira de domingo.
Em “outra esfera da realidade paulistana”, estão, não menos convencidos de sua “superioridade”, os “grandes debatedores”, os pensadores da realidade efetiva. Sua politização desloca-se, na prática, de sua teoria. O mundo só é mundo caso limite-se ao seu bairro, “claro” e “esclarecido”. Tanto quanto o “esclarecimento periférico”, aquele de tom pequeno-burguês é esvaziado de sentido quando se leva em consideração a “opinião”. A diferença básica é que “sua opinião” está assentada num pedantismo intelectualesco e fixado na fórmula do “eu penso”, esclarecido por si só e fechado em sua redoma, PUCiana ou USPiana. Entretanto, ele sai da simples alienação da reprodução de discurso e vai para a esfera da suposta criação de pensamento. Mesmo assim, tal pensamento supostamente criado por sua individualidade suprimida, está dentro da mesma forma “esclarecida”, mesmo que sua condição lhe dê, ainda, certo conforto perante a miséria real. Aqui se abre o espaço para o ser reacionário, que pensa política com o umbigo, defende a meritocracia abstrata, a mesma que seus pais, mesmo tendo sido “críticos” da ditadura militar, defendiam, ainda que escamoteadamente. É aqui que se cria, por um lado, o arguto retórico cínico; e, por outro, o alienado político pequeno-burguês, seja ele o “radical” de algum nano-partido ultrarrevolucionário, ou o “intelectual liberal”, que se situa em sua condição de “livre pensador”, acima do bem e do mal. É aqui que ele, mesmo sem saber, utiliza da forma reificada do discurso: ou está acima do mundo, no céu do pensamento livre (e Marx diz isso sobre os “hegelianos de esquerda” nos Manuscritos), prostrando-se acocorado acima do povo incauto, e seu discurso empalado não passa nem de tangente sobre a questão que concerne à realidade efetiva; ou, de outro modo, está tão convencido de sua suprema sabedoria intelectualesca, que obteve no feudo chamado universidade, que, de um modo, a realidade é toda falsa, sendo apenas realidade aquilo que pensa e, de outro, “política é questão de opinião” (sendo a dele a mais elevada). Resumindo: um misto de cinismo e alienação pedante disfarçada.
Quando a forma toma o status de superioridade de assalto, moldando todo conteúdo, limitando o pensamento e a prática à reprodução, o indivíduo que “pensa” deixa de existir. Em seu lugar há uma classe que pensa por todos e, acima dela – e de todos os outros, por extensão –, uma coisa que pensa, funciona e se move livre em sua plenitude. Mesmo a classe supostamente dominante da sociedade apenas cumpre um papel legado pela estrutura fetichista dessa mesma sociedade. Ainda assim, a grande jogada da forma é assimilar, escamoteando, dominação e reificação à liberdade. O indivíduo é politizado, sabe sobre política; o que ele não sabe, e não precisa saber, é que seu conhecimento está assentado em um “todo falso”. A forma autoritária de democracia, aquela pela qual se lutou durante a ditadura, está posta sobre quem deve decidir (que, por sua vez, decide quem irá decidir por ele etc.). Todavia, esquece-se de se perguntar pelo como tal processo será levado a cabo. Quais os meandros, visto que a finalidade é “legítima”? E é exatamente nesse processo relegado que a forma do discurso impera livre e solta, fazendo-se valer plenamente.
A lógica, mesmo sendo uma “anti-lógica”, da ideologia não se dá quando força um conteúdo discursivo e prático tentando tomar a totalidade para si, criando um todo falso que se faz valer com valor de realidade. Ao contrário disso, ela se dá quando abre mão de todo conteúdo concreto e põe uma forma abstrata, que redireciona e conforma todo e qualquer conteúdo teórico-prático. Tanto esquerda quanto direita são condicionadas nesse frigorífico formal. Na prática política, especialmente na “disputa democrática eleitoral”, todo discurso, inclusive aquele de oposição, faz o mesmo jogo, respeitando as mesmas regras. As críticas, por exemplo, à Celso Russomano são tão batidas e impensadas que não rompem com o velho status do “fazer política”. Todas as “críticas” feitas não são relevantes em vistas da finalidade que tentam alcançar. Críticas à imagem e às propostas (ou à falta delas), feitas à direita ou à esquerda. Não mudam o status, já que aquele que vota, o indivíduo que “escolhe” candidato, é o mesmo que não liga para o processo – e está abstraído dele –, pois “sabe” que o todo é corrompido, sujo. Já que se tem de escolher, escolhe-se o “novo”: aquele que não é parte do velho e sem carisma dentro do âmbito político; tampouco aquele que está preso ao velho discurso, aos velhos símbolos e cores de sempre. Não se leva em consideração, no domínio popular, se fulano é corrupto, se é de direita ou esquerda, se tem projeto ou não. Além disso, assim como se viu na primeira eleição do Lula, é a propaganda (um misto de “indústria cultural” com “carisma do sorriso”), seu tempo de TV, entre outras mais, que é relevante. Eleger um candidato (ou eleger-se) é antes uma questão de imaginário, de inconsciente – assim como se dá ao comprar coca-cola relegando os refrigerantes X e Y que não têm força propagandística – do que uma questão de politização. O discurso popular – “todos são iguais” – é contraditório por si só: isso se vê na prática cotidiana. A anti-forma da lógica é mais favorável quando afirma do que quando nega. O discurso supostamente “denunciante” das mazelas de candidato X ou Y não tem mais força persuasiva. A forma é a mesma. Não nega nem afirma, apenas simula.
Não obstante, duas análises merecem destaque. A primeira, do professor Vladimir Safatle, “O conservadorismo filho bastardo do lulismo”, de agosto de 2012, e a segunda de Eliane Brum, “Russomano e a vulgaridade do desejo”, de setembro de 2012. Ambas, cada uma a sua maneira, vão para além da limitação do fato, do dado. Postam-se como alternativas teóricas a um fenômeno que se tornou “normal”. Um dos “poréns”, é que todo mundo torna mais forte, ao rebaixar, o “fenômeno Russomano”. A forma que se tem é que se deve tentar partir de um caso, de um ponto que foi colocado como decisivo pela ideologia. Ainda assim, mesmo a análise histórica sendo quase sem precedentes e bem assentada, a passagem de um ponto – o indivíduo reduzido ao consumo (o consumo como “dessublimação repressiva”) e o defensor do consumidor – a outro, como se fossem centrais, é, de certa maneira, “forçada”. O indivíduo “eleitor”, de fato, é aquele que consome e se vê beneficiário da massificação como democratização do crédito. Contudo, supor que essa lógica seja traçada nesses termos na consciência – ou mesmo na inconsciência, no imaginário – do povo, é ir para além da capacidade política desse mesmo povo. É interessante pensar teoricamente, pelo menos por um dos lados, desse modo. Só que é igualmente importante levar em conta que isso extrapola a capacidade político-individual reificada da população paulistana, que por tantos anos foi forjada sob o ferro do reacionarismo prático.

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A política é um jogo. E dentro desse jogo há regras. E dentro dessas regras existem limites, teóricos e práticos. Basta lembrar, como ponto central, que uma transformação política, mesmo como emancipação, não é sinônima de emancipação humana. E isso Sobre a Questão Judaica, de Marx, lembra-nos bem. Inserido dentro de regras e limites e, além disso, tendo-se uma estrutura fetichizada, autônoma perante os “indivíduos pensantes” estejam eles “por cima da carne seca” ou não, a política não passa de um âmbito no qual podem ocorrer melhorias, sim, como também pode ser palco de mais repressão, em todos os domínios da vida prática social. É claro que se deve ter em vista que isso pode extrapolar de tal modo e criar monstros. Entretanto, não é o caso presente do Brasil, que, pelo menos circunscrito ao campo da política, não corre o risco, não imediato, de criar um monstro sem precedentes. Mesmo assim, é interessante reiterar que toda a capacidade corrupta, propagandística etc., de nossa atual política é fruto de um processo histórico-cultural. Mesmo a luta por uma “outra forma de fazer política” – ou fazer seja o que for! – deve ser um protesto contra o processo histórico-cultural brasileiro, aliás, é quase que um apontar o dedo contra si mesmo em frente ao espelho. É, e deveria ser, algo reflexivo, que julga a si mesmo dentro de uma história e de uma cultura que, antes de tudo, é fruto de práticas cotidianas reificadas.
Dentro dos limites e regras do jogo, há alternativas. Não são revolucionárias na forma nem em conteúdo. Mesmo assim, para a vida cotidiana, imediata ou mesmo num mediatismo de curto ou médio prazo, podem trazer mudanças, se não substanciais ao menos relevantes. Essas alternativas, mesmo enformadas pelo status quo político reinante, representam as aspirações mais relevantes, ainda que de certa maneira “desconhecidas”, do povo. Porém, elas não chegam a ser postas em relevo pela própria forma do discurso e da democracia. Quando o processo político-eleitoral torna-se uma questão de propaganda, leva mais quem mais tem condições de assemelhar, em forma, tempo e conteúdo, sua propaganda política à das cervejas. Os partidos alternativos dentro do jogo, são quase que automaticamente relegados ao rebaixamento por não terem “patrocínio”, assim como ocorre no futebol. Representam, dentro dos limites propostos, alternativas reais à política mascaradamente oligarca na qual se insere o movimento da sociedade atualmente. Mesmo a ideia de “partido de massas”, “revolução proletária” etc., não fazer mais sentido prático atualmente, pelo menos em aparência, existe algo que deve ser levado em consideração.
As alternativas, no entanto, dependem altamente de um indivíduo minimamente autônomo e de uma, mesmo que também mínima, politização. Como ambas inexistem, quase que generalizadamente, são movidas, as alternativas, pela forma discursiva reinante. Claro que, por não possuírem escolha quanto a outro modo de ação, já que não há autonomia nesse âmbito, “optam”, mais por necessidade e obrigação do que por vontade, pela filiação à forma. Assim sendo, por serem inferiorizadas democraticamente deve fazer da propaganda o mote de suas caminhadas. Como nem aqui há espaço, dependem mais da  do indivíduo (algo de abstrato e absurdo) do que de sua politização. O que resta, nesse caso, é o que ficou na caixa após a sagacidade curiosa de Pandora, por mais que seja sem sentido e vazio quanto ao conteúdo.  
Ainda aqui, há algo que deve ser levado em conta. A  em candidato X ou Y, por não ser politizada, em alguns casos existe por conta de um suposto conhecimento, um coleguismo ou uma amizade, sobre fulano ou sicrano  além de motivos mais “bizarros” como aparência, suposto carisma, alguma fama etc.. Mas, e isso é claro, “negócios, negócios, amizades (e seja o que for) à parte”. Enquanto se levar em consideração mais elementos não-políticos do que elementos de fato políticos, o que há de mais vil assumirá o comando quase que irrestrito da sociedade. E talvez não seja falta de informação; antes, um bando de informações impertinentes, forjadas, falsificadas e irrelevantes, são postas em destaque, ocupando cadeiras que não são suas de fato ou de direito. Entrementes, para o indivíduo massificado, alienado, reificado, é mais cômodo “não se envolver praticamente” e, do alto de sua masmorra, gritar ao carrasco, ainda que preso aos seus grilhões, que a guilhotina não está corretamente afiada, do que se “sujar” na lama da realidade prática efetiva. Todavia, o que não se sabe, que a lama só é lama e só deixa de sê-la, assim que se cai nela com todo vigor e tenta-se moldá-la com as próprias mãos. Sem isso, ela nos envolve e transforma-nos em vasos de barro, inertes, tortos e receptivos de quaisquer mazelas que queiram nos entulhar.  

Salve do Marxist Urban Underground! 

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