sexta-feira, 17 de abril de 2015

Ninguém lerá...


Ninguém lerá este texto. E mesmo aqueles que o lerem, pelo menos massiva parte das pessoas, chegarão ao fim sem nenhum questionamento. Ocorrem duas coisas aqui: em primeiro, quem não lê emite opinião (às vezes não diretamente ao autor do texto, já que aquele que vos escreve é um insignificante; outras vezes diretamente, mas no âmbito do pensamento: resmungam em voz baixa); segundo, leem o texto todo, contudo não questionam – o texto e, principalmente, a si mesmos –, não refletem: as verdades que precisam e as que possuem coincidem – são as únicas necessárias e as únicas que contam – o texto traz sempre algo que não se identifica com as verdades já reinantes e eternizadas no efêmero do pseudopensamento. Ler e não ler, neste caso, tanto faz: dá no mesmo. Ainda que o autor seja um insignificante intelectual, ou intelectualmente insignificante, o texto rompe, para o bem e para o mal, as concepções previamente dadas; é neste domínio que ele deveria mexer com as verdades estanques (hipostasiadas), independente do “concordar” ou “discordar” – hoje em dia dualidade tão em moda. Não é disso que se trata. O que conta, para uma grande massa, é o nome do autor (que, além do mais, coincide com sua pretensa fama); em casos variados, a “manchete” sensacionalista. Mesmo daqueles autores “consagrados”, seja pelo senso comum ou pela capacidade do autor, entretanto, a reflexão do leitor fica aquém: ele lê, comparte o texto, indica, discute, ainda que suas próprias verdades – suas idiossincrasias – permaneçam intactas. O que agrega valor é antes o status que a crítica. Na mesma medida em que o texto não se movimenta, pelo menos a este leitor, ele, o leitor entusiasta, também permanece imóvel. Ainda que o texto e seu autor, seja quem for – pelo menos os bons textos –, tenham movimento constante, sejam abertos ao mesmo tempo em que incidem crítica e reflexivamente sobre a realidade, o leitor insiste em ficar estático. Em contrapartida, o mesmo leitor crítico do mundo mas não de si próprio aceita e compartilha qualquer opinião que tenha aparência crítica. Aqui incide outra coisa relevante: a aparência crítica é mais importante que a crítica mesma. Até porque a aparência nada muda, mantém o conforto da “crítica boca-para-fora” na mesma medida em que ratifica as “opiniões” do leitor sagaz. Despolitizado, este leitor aceita qualquer retórica, mesmo as mal feitas e carentes de lógica. Aceita pois ela, a retórica mal construída, possui um rosnado consonante com o rosnado do leitor: uma bela harmonia uníssona é construída, ainda que sem tons nem meios-tons, sem melodia e sem música – uma bela harmonia uníssona surda e muda. Sua leitura, sobretudo, é factual. Aceita o fato-presente, o discurso do aqui e agora sem, todavia, conectar o processo por dentro. Aceita o discurso bonito – bonito pois concorda com suas verdades –, bonito e vazio, do mesmo sujeito que, ontem mesmo, por exemplo, foi rechaçado pelo próprio leitor. Um dia e seu posterior são entidades autossustentáveis e autônomas. O leitor aceita o texto “fácil” – invariavelmente, aquele no qual ele capta, sem qualquer esforço, a aparência crítica em sua quase totalidade e, em última instância, concorda com ela em seus pontos mais “polêmicos” –, aceita o fácil, então, na mesma medida em que rechaça a priori o texto difícil: difícil, pois, ele, o leitor, é impaciente como é impaciente sua época histórica que tudo clama no e para o âmbito do imediato, e, por conseguinte, não há tempo para a reflexão: não há tempo, e isso indica que a ideologia – a sociedade em sua totalidade – venceu, mesmo que o leitor pense fazer a crítica social mais radical. A crítica radical, pelo menos aquela fincada na aparência, é devedora do status quo estático: esta “crítica” somente é possível enquanto as coisas se manterem como estão. Qualquer mudança de fundo, radical, apontada pela crítica dialética, ele se esquiva e refuta com todas suas forças: o que está em jogo, na base do processo, é a subjetividade do “crítico” – ou a subjetividade coisificada, padrão de época, que ele deve garantir com sua própria vida. Sua própria vida... Está aí a fundamental contradição da época.  

Subsolo!
No play: João Bosco e Aldir Blanc  - “Disco de Ouro”