Ninguém lerá este texto.
E mesmo aqueles que o lerem, pelo menos massiva parte das pessoas, chegarão ao
fim sem nenhum questionamento. Ocorrem duas coisas aqui: em primeiro, quem não
lê emite opinião (às vezes não diretamente ao autor do texto, já que aquele que
vos escreve é um insignificante; outras vezes diretamente, mas no âmbito do
pensamento: resmungam em voz baixa); segundo, leem o texto todo, contudo não
questionam – o texto e, principalmente, a
si mesmos –, não refletem: as
verdades que precisam e as que possuem coincidem – são as únicas necessárias e
as únicas que contam – o texto traz sempre algo que não se identifica com as
verdades já reinantes e eternizadas no efêmero do pseudopensamento. Ler e não ler,
neste caso, tanto faz: dá no mesmo. Ainda que o autor seja um insignificante
intelectual, ou intelectualmente insignificante, o texto rompe, para o bem e
para o mal, as concepções previamente dadas; é neste domínio que ele deveria
mexer com as verdades estanques (hipostasiadas), independente do “concordar” ou
“discordar” – hoje em dia dualidade tão em moda. Não é disso que se
trata. O que conta, para uma grande massa, é o nome do autor (que, além do
mais, coincide com sua pretensa fama); em casos variados, a “manchete”
sensacionalista. Mesmo daqueles autores “consagrados”, seja pelo senso comum ou
pela capacidade do autor, entretanto, a reflexão do leitor fica aquém: ele lê,
comparte o texto, indica, discute, ainda que suas próprias verdades – suas idiossincrasias – permaneçam intactas. O que agrega
valor é antes o status que a crítica. Na mesma medida em que
o texto não se movimenta, pelo menos a este leitor, ele, o leitor entusiasta,
também permanece imóvel. Ainda que o texto e seu autor, seja quem for – pelo
menos os bons textos –, tenham movimento constante, sejam abertos ao mesmo
tempo em que incidem crítica e reflexivamente sobre a realidade, o leitor
insiste em ficar estático. Em contrapartida, o mesmo leitor crítico do mundo
mas não de si próprio aceita e compartilha qualquer opinião que tenha aparência
crítica. Aqui incide outra coisa relevante: a aparência crítica é mais
importante que a crítica mesma. Até porque a aparência nada muda, mantém o
conforto da “crítica boca-para-fora” na mesma medida em que ratifica as
“opiniões” do leitor sagaz. Despolitizado, este leitor aceita qualquer
retórica, mesmo as mal feitas e carentes de lógica. Aceita pois ela, a retórica
mal construída, possui um rosnado consonante com o rosnado do leitor: uma bela
harmonia uníssona é construída, ainda que sem tons nem meios-tons, sem melodia
e sem música – uma bela harmonia uníssona surda e muda. Sua leitura, sobretudo,
é factual. Aceita o fato-presente, o discurso do aqui e agora sem, todavia,
conectar o processo por dentro. Aceita o discurso bonito – bonito pois concorda
com suas verdades –, bonito e vazio, do mesmo sujeito que, ontem mesmo, por
exemplo, foi rechaçado pelo próprio leitor. Um dia e seu posterior são
entidades autossustentáveis e autônomas. O leitor aceita o texto “fácil” –
invariavelmente, aquele no qual ele capta, sem qualquer esforço, a aparência
crítica em sua quase totalidade e, em última instância, concorda com ela em
seus pontos mais “polêmicos” –, aceita o fácil, então, na mesma medida em que
rechaça a priori o texto difícil: difícil, pois,
ele, o leitor, é impaciente como é impaciente sua época histórica que tudo
clama no e para o âmbito do imediato, e, por conseguinte, não há tempo para a
reflexão: não há tempo, e
isso indica que a ideologia – a sociedade em sua totalidade – venceu, mesmo que
o leitor pense fazer a crítica social mais radical. A crítica radical, pelo
menos aquela fincada na aparência, é devedora do status quo estático: esta “crítica” somente é
possível enquanto as coisas se manterem como estão. Qualquer mudança de fundo,
radical, apontada pela crítica dialética, ele se esquiva e refuta com todas
suas forças: o que está em jogo, na base do processo, é a subjetividade do
“crítico” – ou a subjetividade coisificada, padrão de época, que ele deve
garantir com sua própria vida. Sua própria vida... Está aí a fundamental
contradição da época.
Subsolo!
No
play: João Bosco e Aldir Blanc - “Disco de Ouro”
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