Tudo corre por um caminho tortuoso. Livre em aparência,
naquilo que é concreto se dissolve em determinações estranhas. A distração
corrói, ao passo que a vigília plena alucina, hipnotiza. Levar tudo a sério, em
tempos bárbaros, é ato bovino. Não o fazer é sandice. No jogo do tudo ou nada,
ganha destaque o detalhe: é ali que está a paixão. Nem desenfreada, nem
sórdida. Nem nas abstrações aberrantes que tudo dominam, nem na concretude
universal do indivíduo hedonista. É no desfocado, tímido, quase sem luz e razão
que se situa a verdade limpa do todo – límpida, não pura. Não também a do
desvairo. Tampouco sem seriedade. A paixão está no detalhe. Não sem razão. É
ali, ainda que seja forçado a ficar escondido, que está a ruptura da harmonia.
O semitom que esfacela a estrutura sonante. Sua racionalidade, numa situação
onde o mais racional é um parvo, emerge como seu contrário. Seu resquício,
contudo, tende a ser eliminado assim que desponta. Cabe ao apaixonado resistir.
É o detalhe, insignificante pois de alta periculosidade até para o radical, o
único capaz de uma resistência que não se pode nomear, pois não se identifica.
Fora disso, tudo é metafísica do Espírito, é coisificação – por mais
materialista que seja.
Ouvindo: Razão – Paulo Moura Quarteto, 1968.
Subsolo!