sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Fragmento #1: detalhe: pensamento em sistema completo


Tudo corre por um caminho tortuoso. Livre em aparência, naquilo que é concreto se dissolve em determinações estranhas. A distração corrói, ao passo que a vigília plena alucina, hipnotiza. Levar tudo a sério, em tempos bárbaros, é ato bovino. Não o fazer é sandice. No jogo do tudo ou nada, ganha destaque o detalhe: é ali que está a paixão. Nem desenfreada, nem sórdida. Nem nas abstrações aberrantes que tudo dominam, nem na concretude universal do indivíduo hedonista. É no desfocado, tímido, quase sem luz e razão que se situa a verdade limpa do todo – límpida, não pura. Não também a do desvairo. Tampouco sem seriedade. A paixão está no detalhe. Não sem razão. É ali, ainda que seja forçado a ficar escondido, que está a ruptura da harmonia. O semitom que esfacela a estrutura sonante. Sua racionalidade, numa situação onde o mais racional é um parvo, emerge como seu contrário. Seu resquício, contudo, tende a ser eliminado assim que desponta. Cabe ao apaixonado resistir. É o detalhe, insignificante pois de alta periculosidade até para o radical, o único capaz de uma resistência que não se pode nomear, pois não se identifica. Fora disso, tudo é metafísica do Espírito, é coisificação – por mais materialista que seja.

Ouvindo: Razão – Paulo Moura Quarteto, 1968.


Subsolo!


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