segunda-feira, 5 de abril de 2010

Coisas ao Mestre, com carinho


Qualquer Coisa ao Mestre

Tua negritude reflete minha negritude
a poesia são Coisas
meus olhos se transformam em outros
sua obra, Maestro
A música,
A musa Barítono
como minha inspiração eterna
seja mono ou stereo
...
A universalidade de Menino Travesso
Como se fizesse homenagem à minha avó
Mãe Iracema
Nanã 
teu colo,
teu riso,
teu rosto.
Preto colorido
do som matizado
inspirado sabe-se lá em que
mas perfeito,
Perfeita musa musicada
Fantástico Moacir:
Kamba,
Jequié,
Kathy,
Quiet Carnival,
Kermis,
Amalgamado em Navegação,
simples...
Coisas.
E quando Saudade Mata a Gente
 - Quem é que não Chora? - 
ouço essas Coisas vindas do fundo da caixa acústica... 

Coisa biográfica

Moacir Santos é considerado pelos críticos e pesquisadores musicais como um dos principais arranjadores e compositores brasileiros, aquele que renovou a linguagem da harmonia no país.

Moacir Santos nasceu em 1923 em São José do Belmonte-Pe e começou cedo sua história musical, quando se se uniu à banda da cidade Flores do Pajeú, em pleno sertão pernambucano, aos 14 anos, tocando saxofone, clarinete e trompete, entre outros instrumentos. Dois anos depois ele saiu pelo nordeste afora até 1943, quando arrumou um emprego na Rádio Clube de Recife.

Em 1945 foi para a Paraíba, onde tocou na banda da Polícia Militar e na jazz band da Rádio Tabajara como clarinetista e tenorista. Em 1948 ele mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na gafieira "Clube Brasil Danças" durante 18 anos como saxofonista, arranjador e maestro.

Outro longo emprego que teve foi na Rádio Nacional, começando como tenorista da Orquestra do Maestro Chiquinho. Como fazia arranjos sem conhecer as regras, Santos se iniciou em teoria musical com Guerra Peixe e depois foi estudar com o grande musicólogo e compositor alemão Hans Joachim Koellreutter, de quem Santos depois se tornou assistente.

Durante essa década ele começou a dar aulas, mas foi nos sessenta que ficou famoso, sendo professor de grandes talentos, como Paulo Moura, Oscar Castro-Neves, Baden Powell, Maurício Einhorn, Sérgio Mendes, João Donato, Roberto Menescal, Dori Caymmi e Airto Moreira, entre outros.

Em 1951, ele foi convidado por Paulo Tapajós, diretor da Rádio Nacional para ser um maestro e arranjador do elenco, onde permaneceu até 1967. Em 1954, Santos foi para São Paulo onde dirigiu a orquestra da TV Record. Dois anos depois, ele voltou ao Rio de Janeiro, retomando seu trabalho na Rádio Nacional e se tornou regente na Copacabana Discos.

Com o prestígio alcançado no Brasil, Santos gravou em 1965 pela Forma, o seu primeiro álbum solo, "Coisas". Santos compôs trilhas sonoras para muitos filmes como "Love in the Pacific", "Seara Vermelha"(Rui Aversa), Ganga Zumba (Cacá Diegues), O Santo Médico (Sacha Gordine), e Os Fuzis (Ruy Guerra), entre outros.

Em 1967, ele deixou a Rádio Nacional e se mudou para os EUA, indo morar em Pasadena, onde ficou dando aulas de música até ser descoberto por Horace Silver. Em 1985, ele abriu junto com Radamés Gnattali, no Rio de Janeiro, o I Free Jazz Festival. Em 1996, ele condecorado pelo Presidente Fernando Henrique com a comenda da Ordem do Rio Branco. No mesmo ano, Santos foi homenageado no Brazilian Summer Festival em Los Angeles.

Seus arranjos originais para várias de suas composições foram transcritas por Mário Adnet e Zé Nogueira no álbum duplo "Ouro Negro"(2001), que teve as participações de Milton Nascimento, João Donato, Gilberto Gil, e do próprio Moacir Santos, entre outros.


Moacir Santos: o grande mestre de Coisas, não merece homenagem alguma de minha parte: merece veneração. Meus ouvidos sempre atentos às caixas ouvem o som de qualquer um dos discos preciosíssimos do Grande Mestre: seja Opus 3, Carnival, Maestro, Saudade ou mesmo o grandíssimo Coisas. Não me importa em dizer nada sobre Moacir. O que se tem a dizer está dito na música, de sem precisar de meia palavra proferida. Clássico é Clássico e sempre será. Coisas é mais imortal que os Deuses Gregos; Gigante como um Titã, maior que um Orixá. Enfim, deixe o próprio Moacir falar.



Resenha escrita por Ruy Castro para o Estado de São Paulo, em 27/08/2004. 

Coisas é o primeiro disco do compositor, arranjador, maestro e instrumentista Moacir Santos, de 1965 – dez faixas intituladas simplesmente Coisas (numeradas de 1 a 10, mas fora de ordem), embora algumas tenham recebido letra e títulos com que circularam fora do disco (Coisa n.º 5, por exemplo, ficou conhecida no mundo profano como "Nanã" e, por muitos anos, rendeu um providencial dinheiro a seu letrista Mario Telles). Coisas só agora volta ao lugar de onde nunca deveria ter ficado ausente: as prateleiras das lojas. E volta com uma força, uma originalidade e uma beleza que, se se disser que foi gravado ontem, ninguém terá razão para duvidar. Mas é claro que ele vem de outros tempos, de outro mundo, outro país – um país também chamado Brasil, mas onde havia uma indústria, dita fonográfica, que estranhamente trabalhava com música.
Esses 39 anos de sumiço dizem muito sobre as cabeças que presidem nossas gravadoras. Coisas foi produzido originalmente pela Forma, o pequeno e corajoso selo que o produtor carioca Roberto Quartin conseguiu sustentar durante três anos na década de 60. A Forma era uma espécie de Elenco, só que ainda mais atrevida e experimental. Vencido pelo mercado, Quartin vendeu as matrizes de seu catálogo (18 formidáveis LPs) para a então Philips, que depois se tornou a Polygram e hoje é a Universal. A poderosa compradora contentou-se em ser apenas a dona da Forma: sentou-se em cima, não fez nada com os discos e, até outro dia, não deixou que ninguém fizesse. O próprio Quartin levou as décadas seguintes tentando convencê-la a repor em circulação o catálogo completo, do qual Coisas era a jóia da coroa – sem sucesso.
Foi o último e o melhor disco de "samba-jazz" feito no Brasil daquela época: uma obra-prima de música instrumental, com raízes ardentemente brasileiras e uma certa tintura jungle, ellingtoniana, que parece brotar dessas mesmas raízes. Seria fácil dizer que, em tais raízes, está a música ancestral negra. E deve estar mesmo – mas não só: Moacir era e é um músico completo, que se abeberou de toda a tradição clássica européia, apenas fazendo-a curvar-se à sua orgulhosa negritude. (Foi o primeiro maestro negro da Rádio Nacional, furando a hegemonia – benigna – dos mestres Radamés Gnatalli, Leo Peracchi e Lyrio Panicalli.) E Coisas é o epítome da sofisticação e da modernidade que impregnavam alguns criadores daquela fase, empenhados em buscar nos ritmos populares do Nordeste e dos morros do Rio as bases para uma revitalização da música brasileira. Coisa n.º 6, por exemplo, que soa como um baião de quermesse, tornou-se "Dia de Festa" ao ganhar letra de Geraldo Vandré e foi gravado pelo mesmo Vandré. Nas outras faixas, misturados a improvisações jazzísticas, riffs e ataques de big band, há ecos de xaxado, coco e maracutu.
Mas, alto lá: com Moacir (assim como em Baden Powell), não tinha essa demagogia de recolher folclore – a música saída "do povo" era apenas uma plataforma para toda espécie de pesquisa melódica, harmônica ou rítmica. A prova está logo de saída, na primeira faixa (Coisa n.º 4), em que o sax-barítono e o trombone-baixo começam uma marcação pesada e repetitiva que se estende por todo o número e, em contexto mais "primitivo", talvez fosse feita por tambores. Era a África, sem dúvida, mas filtrada pelo Beco das Garrafas, em Copacabana – por mais que isso fosse perigoso politicamente. O texto de capa do LP original, escrito por Quartin e reproduzido no encarte do CD, sentia a necessidade de enfatizar que Moacir Santos não era um músico "de direita" ou "de esquerda", mas apenas um músico, e a música desconhece a política. Era uma preocupação vigente e, hoje, pode parecer primária ou irrelevante. Mas só quem viveu o clima daquele tempo, com o Brasil ainda no começo da ditadura, consegue avaliar a intensidade da patrulha (exigiam-se "tomadas de posição") e o sentimento de culpa que se apossava dos músicos voltados somente para a arte, estigmatizados por não fazerem de cada acorde um comício. Pois aconteceu que Moacir Santos, despolitizado como era, também teve de marchar para uma espécie de auto-exílio nos Estados Unidos. Não porque fosse "alienado" ou "participante", mas pela brusca mudança de rumos na música brasileira a partir do iê-iê-iê, que liquidou com a possibilidade de sobrevivência no Brasil de artistas como ele. A passagem de 1965 para 1966 marcou esse corte – porque, nos três anos anteriores, o próprio Moacir nunca trabalhara tanto e estivera presente, como arranjador ou compositor, em alguns dos melhores discos lançados no país. Apenas em 1963 eram dele os arranjos de Vinicius & Odette Lara, que foi o LP n.º 1 da Elenco; de pelo menos uma faixa (Nanã, em vocalise) de Nara, o disco de estréia de Nara Leão, também na Elenco; de várias faixas de Baden Powell Swings With Jimmy Pratt, idem Elenco, em que Baden toca as Coisas n.º 1 e n.º 2; e de todos os arranjos de Elizete Interpreta Vinicius, lançado pela Copacabana, com quatro de suas canções que levaram letra de Vinicius, entre as quais "Se Você Disser Que Sim" e "Menino Travesso", e com o seu nome em destaque na capa.
Em 1964, Moacir assinou arranjos de Você Ainda Não Ouviu Nada – pelo menos, os de Nanã e Coisa n.º 2 –, o disco de Sergio Mendes & Bossa Rio na Philips que muitos, então, consideraram o melhor do gênero feito no Brasil. Mas, no mesmo ano, esse disco seria superado pelo sensacional Edison Machado É Samba Novo, na CBS, com quatro de seus temas (Se Você Disser Que Sim, Coisa n.º 1, Menino Travesso e o já onipresente Nanã) no repertório e Moacir impregnando todo o disco com o som cheio e noturno de seus arranjos, mesmo nos de autoria do saxofonista J.T. Meirelles. O Brasil era tão outro país que permitia que uma cantora quase desconhecida – Luiza, 22 anos, professora do Colégio São Paulo, em Ipanema –, ao estrear em disco na RCA Victor, tivesse o solicitadíssimo Moacir como arranjador. (O LP, Luiza, não aconteceu, e a excelente cantora, pelo visto, encerrou ali a carreira. Mas é outro legítimo Moacir Santos, à espera de que o relancem em CD.) Nos intervalos, Moacir compôs também a música para filmes com que o cinema brasileiro ("novo" ou não) tentava atingir a maioridade: Seara Vermelha, do italiano Alberto D'Aversa (1963), e Ganga Zumba, de Carlos Diegues, Os Fuzis, de Ruy Guerra, e O Beijo, de Flavio Tambellini, todos de 1964, nos quais nasceram várias Coisas. Tudo isto, na verdade, era uma preparação para o Coisas propriamente dito – que, ao ser finalmente lançado, em 1965, logo teria de enfrentar uma atmosfera adversa à sua proposta. A Forma afundou, o disco desapareceu e, pelas quatro décadas seguintes, o LP só reapareceria ocasionalmente nos sebos – até também sumir deles e se tornar uma preciosidade de US$ 200 no mercado internacional.
O que aconteceria se a lição de Coisas (e de outros discos de seu estilo) tivesse sido disseminada em 1965? Tudo é especulação, mas é provável que a música instrumental moderna brasileira não conhecesse a penúria que atravessou nas décadas seguintes. O próprio Coisas era uma continuação das experiências nos discos menos dançantes das orquestras de Severino Araújo e Zaccarias, escolados nas gafieiras cariocas dos anos 40 e 50. Deve-se citar também o desaparecimento das orquestras de rádio, TV, boates e as das próprias gravadoras como fator decisivo para o declínio da música instrumental no Brasil – porque foram elas que permitiram a existência de um disco como Coisas. Para Moacir Santos, com 40 anos em 1966, só restava ir embora. E ele foi – para Los Angeles.
A volta do disco pode completar a redescoberta brasileira de Moacir, iniciada em 2001 com o lançamento de Ouro Negro pelos mesmos produtores da nova edição de Coisas: Mario Adnet e Zé Nogueira. Ouro Negro era espetacular – mas Coisas é o produto original, com Moacir em pessoa, não apenas de caneta e batuta na mão, mas armado de seu possante sax-barítono.




Salve do Subsolo ao 'Maestre'! 

 Moacir Santos


Um comentário:

  1. Sensacional. É hora mesmo de que os grandes músicos brsileiros ressurjam. Até agora, gente como Moacir Santos ficaram lembradas ou por pessoas do meio da música, ou por pequenos círculos ligados à música.
    É bom que a música brasileira, no que tem de mais original seja mantida por outros meios, ou daqui a pouco veremos as "releituras", os "Moacir Santos Revisited"... e todas aqueles produtinhos...

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