2013 é um ano
inusitado. E parece que isso vale (e valerá) para este século. É o “novo”
século das “luzes”: luzes de computadores sobressaltados dentro dos quartos
(para não dizer dos ônibus, salas de aula, rodas de conversa, botequins...) – e
das mentes. Essas luzes que ofuscam aquelas outras, tão aclamadas e tão bem
recebidas no século XVIII europeu. A novidade do/no século XXI é tão clara
quanto às alvas faces da Casa Grande: a democratização.
É ela a mais clara das verdades; a grande responsável por todo o processo
íntimo de cada relação social. É, ainda, a grande pedra de toque de nossa
época. A democracia não poderia ser mais dentro
da realidade como aí está. Está confinada ao mesmo tempo em que delimita
essa realidade: ela é o grande Outro
que perfaz a realidade com toda a força que poderia advir do vazio. E este, o
vazio, não provém do nada: ele é fruto da atividade passiva – a interpassividade – dos indivíduos com o
mundo. Passividade, sim, que se apresenta formalmente como seu contrário: como
interatividade, como práxis efetiva.
O espectro virtual que a tudo vê, a tudo
tem acesso – mesmo que não seja por si; e, em si, seja vazio –, perfaz a
realidade virtual como realidade efetiva. A substituição da realidade efetiva
pela virtual é o grande passo em direção à efetivação do grande Outro longe da esfera simbólica no qual se apresenta. Ou, em
outras palavras, é a subsunção da realidade efetiva por sua máscara. Tanto que
a máscara toma o lugar do estatuto da “verdade” e, por isso, não há problemas
na substituição: welcome to the desert of
the real! E essa máscara se objetiva em cultura:
ela é o que deve ser feito, acredite – os indivíduos mais sagazes e os mais
imbecis – nela ou não. A crença não é o ponto. Este está situado para além
dela. No céu cinza da tradição, da cultura. Diga o que tem que ser dito,
expresse aquilo que o estatuto moral simbólico ordena e emana. Na atualidade, a
ideologia não se dá em “camuflar” a realidade efetiva por meio do discurso ou
da prática que a tudo dá outro tom. Antes, ela se dá em criar um espectro como
realidade na subsunção da realidade mesma, onde o espectro, longe de esconder
alguma coisa, revela o que há de mais latente na realidade e na cultura. A
liberdade de expressão, por exemplo, tão proclamada como a grande mãe da era
dos tolos, é exatamente o ponto de convergência: ela libera a mentira. Na
medida em que o indivíduo mente conforme o escopo requisitado pela ordem
simbólica, está tudo bem. O posicionamento “acrítico” que é, no segundo
seguinte, condenado por todos, de norte a sul, de leste a oeste; aquele
posicionamento que é “contra” (ou “do contra”), contrário ao movimento da maré,
é logo tachado como reacionário, preconceituoso, mal esclarecido, semiformado
etc.. A liberdade e a autonomia, neste sentido, são de simples definição:
concordar com o senso comum. Não importa se acredita naquilo ou não. Não é a
crença que está em jogo. Muito pelo contrário, o que está em jogo é a isenção
da crença: deixe que algum outro faça isso por mim e que, assim, eu esteja
liberado para pensar (e fazer) qualquer outra coisa (no texto sobre Lacan, Como ler Lacan, Žižek dá o exemplo da “roda
de orações” tibetana: “eu prendo na roda um pedaço de papel em que a prece está
escrita, giro-a mecanicamente [...] e a roda está rezando por mim [...], ‘objetivamente’
eu estou rezando, mesmo que meus pensamentos estejam ocupados com as mais
obscenas fantasias sexuais.”). E não é isso que acontece hoje? Não é o “lamento”
no muro das lamentações virtual que
me libera para a inação? Não é, por falta de acaso, o grande Outro que me acolhe como um crítico, um revolucionário ou
como um descontente que toma a continuidade (senão todo) do “serviço” por mim?
A verdadeira práxis política já não tem mais lugar nesse espaço. Espaço, no
entanto, que é todo ele ciberespaço, virtualizado mesmo nas relações mais
íntimas. E não, simplesmente, por que todas as relações vão parar no muro das lamentações; antes, exatamente
por conta de toda a realidade efetiva ter se tornado realidade virtual,
virtualizada em ato. Será que no limiar, a fuga da realidade dura tornou a própria
fuga a realidade efetiva?
Em termos mais concretos, quantos de nós
sabíamos quem era quem, na década passada, que possuía algum poder
político-burocrático (como “político profissional”) e, além do mais, para que e
para quem se direcionava tal poder? Quantos tentaram ver a ascensão frenética –
quase neurótica – do “protestantismo popular”, nas décadas passadas, como
imanente ao movimento do real, ao movimento específico da sociedade, desta
sociedade? Ora, a grande questão é que agora – e esse agora sempre é o que
parece importar – todos, sem exceção – são politizados, críticos dos mais
vorazes. Todos deixam seu “pedaço de papel [virtual] pendurado na roda de
orações” e se liberam para qualquer outra atividade, seja ela contraditória ao
que está escrito no “papel” (o que invariavelmente é), ou não. Somente o
indivíduo suprimido pela ordem simbólica esmagadora do capital e de todo
movimento da realidade subsumida é que pode, sem embargo, ser politizado sem
sê-lo efetivamente: basta o ser virtualmente. Isso transformou o material
básico dos fantoches: não são mais de pano, maleáveis para o vai-e-vem ideológico
tradicional; são de pedra, da mais dura, aquela que nada penetra que não seja
inequivocamente ordenado pela ordem simbólica. O “processo” de politização
(processo no superlativo) criou seu contrário: indivíduos vazios – sentindo-se,
obviamente, preenchidos (mesmo que não saibam qual a contradição de um
preenchimento pelo vácuo). E não é aqui que entram os casos mais recentes? Não
é aqui que uns e outros se “posicionam” amargamente? Nesse processo de
politização técnica, que esvazia tudo, que solidifica tudo que antes
desmanchava no ar, que se podem enquadrar os casos mais “polêmicos”. O
indivíduo suprimido aparece como seu contrário. E, claro está, suas supostas
manifestações mais contundentes não dizem realmente o que querem dizer? Se é
para as “minorias” que um tal “religioso” se transformou no foco, ele está onde
deve estar: representando as minorias (já que é uma minoria que o apoia). E não
está onde está por conta da própria negatividade auto-negada do processo de “contestações”
da população “altamente politizada”? E não é aqui que o esclarecimento dá um
golpe de misericórdia em si mesmo, em autoflagelação? E a pergunta persiste:
que fazer (se é que há algo a fazer)?
Subsolo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
<$BlogArchiveName$>