segunda-feira, 1 de julho de 2013

Depois da tempestade... Reflexões esparsas e pontuais acerca da reviravolta dos tempos


Após a baixa da névoa, talvez seja o momento (quase) adequado a intentar alguma reflexão. Já que o Galo Gaulês marxiano, que desperta na alvorada histórica e canta com força, não despertou tão cedo – ou, de outra forma, talvez tenha despertado meio perplexo e, cooptado pelas raposas, deixou o galinheiro livre para o “sono da Razão” –, é hora de voltar à coruja hegeliana. Contudo, não é necessário se analisar a totalidade dos acontecimentos, e tampouco se têm condições para tal empreitada. O objetivo é, quiçá, voltar atenção para os mínimos detalhes, para as pequenas coisas que passam despercebidas – ou mal percebidas.
Vou me valer dos apontamentos de alguns amigos que li por esses dias, além de vários apontamentos que irromperam com força por todos os lados (apontamentos que, no geral, considero pertinentes, partindo de uma posição não estanque de classe e subjetiva – dizia Adorno, mais ou menos, que toda interpretação é subjetiva e ativa, parte-se das condições complexas do ponto de vista do indivíduo que intenta interpretar...).

1.      Para alguns, as “manifestações” surgiram do nada. Para outros, ainda que surgindo no nada, serviram como um trampolim anacrônico e neurótico para reivindicar o absurdo, para não refletir e exigir mais pasto às vacas. Esqueceu-se de tentar compreender que não há homogeneidade em lugar algum. Não há “brasileiro” que se dedique à bandeira de forma plena e desinteressada. Existem distinções gigantes entre os habitantes “do lado de lá e de cá da ponte”. Aqui – do lado de cá – os de baixo, de uma forma ou outra, sempre resistiram; do lado de lá, os interesses retrógrados sempre persistiram. O que parece, à primeira vista, é que estes, com toda força da “rebeldia” da juventude, tomaram como causa comum uma pauta. Mas só parece. No decorrer, grosso modo, foram “mostrando a cara” de fato – ou a escondendo, visto as máscaras sem sentido (e máscaras lembram, talvez numa digressão, o Rousseau do 1º Discurso, aquele sobre as ciências e as artes...).
As “manifestações” não surgiram do nada – “como um raio caído de um céu sem nuvens” – e nem não iam para lugar algum. Grupos organizados existem há muito tempo e reivindicam há muito tempo debruçando-se sobre uma pauta concreta, específica – que, claro, não ignora as conexões com outras pautas. Movimentos de vários tipos, à esquerda, existem tanto dentro das universidades (as “grandes”, pelo menos), quanto nas periferias. No entanto, o que mais saltou aos olhos pode se resumir em duas coisas, que se desdobram por dentro: a) uma indignação coletiva quanto aos vários âmbitos do processo sócio-político – a1) indignação, em vários níveis, abstrata e ideológica; a2) a indignação ideológica se dá num vácuo político – um “sem rumo” em busca de um “tudo imediato” – que é facilmente cooptada por um discurso simplista, aparentemente isento, e retrógrado (não vou usar a palavra “reacionário”, pois já disseram que está “batida”); a3) uma posterior “contrarrevolta” à direita que surge no meio da revolta, ou a toma de assalto; b) uma despolitização das “massas” que é facilmente politizada (cooptada ideologicamente) por fora. Neste âmbito, cabe ressaltar que não se trata de uma politização dos indivíduos anterior à própria práxis política. Isso seria utópico e absurdo. Mesmo assim, é importante lembrar que os movimentos históricos de revolta se deram, quase sempre, em torno de uma politização do próprio movimento, pelo movimento histórico. Mesmo os movimentos dos trabalhadores mais pauperizados foram pautados por objetivos claros e específicos, que, claro, em vários momentos extrapolavam suas próprias objetividades, mas não a perdiam de vista. (Penso, aqui, no filme Germinal, por exemplo. Ou em Queimada – filmes, entre outros, que sempre são comentados ou assistidos em formações políticas de esquerda).
Quanto aos pontos A (a1, a2 e a3), indica-se o seguinte: um vácuo político – no sentido de não ter objetivos claros, definidos e o “tomar partido” –, levou as massas a reivindicarem tudo sem, ao menos, perceber o que e como se queria, além de a “indignação” da direita e das classes médias em relação ao governo Petista, como se fosse o “mau do século” por si só. O discurso fácil da direita altamente organizada invade até aquela direita desorganizada e massificada, que reivindica a partir de sua “subjetividade de classe” como um cão raivoso amalgamado a sua egóica criança mimada que define seu Eu. E também invade, o discurso da direita organizada (desde as forças político-midiáticas massivas às organizações “secretas” dentro e fora dos partidos políticos da burguesia e sua sombra mal formada), o vácuo político dos dominados que, quiçá, viram ali naquelas manifestações um momento privilegiado para soltar um grito preso na garganta por muito tempo. Aliás, aqui já se vislumbra, ainda que de forma resumida e grossa, as conexões complexas de ambos os pontos, A e B.

2.      Aqui, não preciso dizer nada, pois a intenção é falar em “tomar partido” e “partido político”, no geral. Remeto ao textículo de meu amigo Marcelo Tomassini:
Sobre política e partidos. Uma reflexão.
Será que o jeito é me filiar a REDE da Marina Silva? E exercer minha individualidade independente. Como se o problema fosse só a questão organizativa ou nome “partido”? Ou o MPL não é um movimento social que assume também uma forma de organização? Nos jornais, na mídia, todas as falas deles estavam conectadas. Ou seja, partiu de uma discussão coletiva deles e tirou-se uma linha política comum. Por isto teve uma fala comum no movimento. Todos diziam foco na revogação do aumento, e a repressão é a tarifa, além da crítica à polícia. 
Em outras organizações temos o centralismo democrático. Discute-se coletivamente, vota-se se for caso, tira-se uma política comum e todos que fazem parte do partido a defendem no movimento. Independente do nome que partidos e movimentos sociais dão para esta prática, seria possível construir o movimento sem esta organização? O problema a meu ver é que se confunde organização, programa, e a estrutura de regime. 
Organização é a forma que a política encontra para se manifestar. Pode ser um movimento social, pode ser um sindicato, pode ser uma associação, pode ser um partido, pode ser um coletivo e muitos etc.. 
Programa: é o conteúdo histórico, teórico e político a ser manifestado resultado do acúmulo e das experiências produzidas coletivamente durante gerações. E aí tanto MPL quanto um partido expressam um determinado nível do que seria o programa em sua prática cotidiana. 
A estrutura de regime, no caso, parlamentar: é o resultado dos regimes produzidos como legado das revoluções burguesas. Estes regimes por mais que abarquem as contradições de classe da sociedade, as canaliza para um modelo, uma forma determinada de se fazer política. A ressonância portanto por fora deste modelo tende a ficar comprometida. Além, é óbvio, que este modelo favorece a perpetuação de uma determinada classe social.
Quando se engessa a organização e o programa, não se os considera como históricos, temos a crise que vivemos hoje. E ai sim, cabe principalmente a esquerda, organizada em partidos ou não, refletir sobre suas práticas muitas vezes engessadas em sua tradição, ou em sua burocratização. 
Quando se engessa programa e organização se fortalece a cooptação a um determinado regime político. Ou será que o PT de hoje é o mesmo PT da década de 80? Sua adaptação ao regime é resultado de que? Será que todos os movimentos sociais são independentes, tem formas de organização democráticas, horizontais simplesmente por não serem partidos? Será que temos que considerar que os indivíduos não pertencem há uma classe social ou estrato de classe e expressam interesses comuns a isto? 
Temos que ter cuidado a este ataque aos partidos isolando o problema da política somente em sua forma de organização. Já tive experiências políticas com pessoas que diziam ser contra partidos, mas reproduziam uma prática política institucional mais burocrática que muito partido que está no poder.

Cabe acrescentar a isso que o ranço que existe da classe média e da burguesia é quanto ao Partido dos Trabalhadores estar no poder. Uma digressão rápida à história recente do Brasil mostra que não é o PT o grande vilão. Ele não se isenta. Porém, é uma estrutura sócio-política comprometida. Os governos federais anteriores (FHC, Collor, Sarney, os militares...) não foram tanto quanto “venenosos”? E não é a própria formação do Brasil algo “cordial”, “cínica” e pautada no jeitinho brasileiro? Enfim, isso não é uma defesa ao PT. Muito pelo contrário: aquele que aceita entrar na estrutura e não intenta modificá-la, não está nada isento da crítica teórica e prática. Mas uma crítica à direita, cínica e fácil, não convence quem tem um pouquinho de massa encefálica...

3.      Junto a todo esse amalgama maluco, surgem várias abstrações neuróticas, do protestar quanto a tudo, sem se pensar em nada. É o protesto mais fácil: apontasse para o outro e isenta-se da crítica (Obs.: não usarei, em hipótese alguma, o termo crítica como sinônimo de culpa. Não se trata de algo moral, ou ético. É uma questão sócio-histórica e política. Aliás, Maquiavel já havia desvinculado a política da ética. Somente um “retrógrado” faria uma crítica ético-moral sem discernimento histórico-social). Aqui, é importante, em âmbito de exemplo concreto, remeter às pequenas coisas cotidianas; em âmbito sócio-histórico, pensar na formação do indivíduo moderno e, especificamente, refletir sobre a formação do Brasil.
Em primeiro plano, cabe colocar enfaticamente que lutar contra a corrupção, por exemplo, é, por um lado, isentar-se da formação histórica e esquivar-se da crítica, e, por outro, uma pauta moralista de uma direita (quase) fascista e ideológica. Junto a isso, esquecem-se quais as “concretudes” das pautas de reivindicações desse tipo. O que significa lutar contra a corrupção, concretamente? Ora, as “ruas” disseram nesses dias: é lutar contra algo que foi colocado, ideologicamente, como corrupção por excelência: a política, ou melhor, a “governança” do PT. Um exemplo prático (já que não sei desenhar): seria bom um mundo sem corrupção? Sim, seria. Seria tão bom que fulano que vai para a manifestação pedir o fim da corrupção não corrompesse... Que ele não tentasse levar vantagem em nada; que também não fizesse, supostamente escondido e solitário, perversidades que não faz no público... Enfim, não sei desenhar... A Corrupção é algo histórico. E não foi com escambo “jeitinho brasileiro” que, segundo a “historiografia oficial”, os do além-mar tiravam Pau-brasil a rodo daqui? E não foi com “corrupção” que se deu toda a história do Brasil, em âmbito generalizado?
Sem aprofundamentos, é mais ou menos isso...
Em segundo lugar, junto a toda essa neurose, surge movimento virtual-esquizofrênicos “pedindo” toda sorte de coisas bizarras. Uma delas é o impeachment. É mais ou menos assim: faz-se “revolução” (sic!) dentro da lei. E gentes se debatem pedindo impeachment de todo mundo. “Queremos impeachment da presidenta”; “queremos impeachment do governador”; “queremos impeachment do presidente do senado”; “queremos impeachment do pica-pau”; “queremos impeachment da Diabolin”... E assim vai o carro sem rodas das manifestações bizarras.
No entanto, a grande pergunta é: para quê? Que proposta política se tem para se pedir um “impeachment”? Trocar de líder? Ora, e não é Kant que fala no texto sobre a Aufklärung das vacas que não conseguem sair do carrinho pois foi dito a elas que não podem andar? E não é isso, esse troço de impeachment, pedir líderes morais e retrógrados que sejam mais rígidos e severos, beirando ao totalitário? E não é a necessidade de um líder “forte” que se quer? A República de Weimar que o diga! A classe média, principalmente a paulistana, se assemelha à criança mimada que “bota o terror” e, inconscientemente, no fundo, pede limites para o pai, exige um pai mais “autoritário”... Mas ainda é um pai generoso. Pede-se um pai autoritário, mas generoso. A figuraça recente na história é, sem dúvida, FHC.
Enfim, não faz sentido essas reivindicações bizarras e abstratas, que são concretamente esquizofrênicas e neuróticas. Ter um horizonte (quase) concreto nas/para as reivindicações, sejam elas quais forem, é o mínimo que se deve ter. Sem elas, vira-se qualquer coisa e se é facilmente cooptado pelas “forças obscuras” – Anakin (Skywalker) que o diga!

Política não é coisa que se faz de improviso. Não se trata, como dito, de politização individual, simplesmente. Ela é importante, mas não imprescindível. Trata-se de horizontes concretos, politização do movimento histórico. E é necessário discernir sobre todas essas “manifestações do Espírito” para que, aqueles que possuem algo de crítico, consigam se posicionar legitimamente, longe das “verdades absolutas”, mas nem por isso menos resoluto. E que se saiba o principal: o momento de ficar em silêncio e ouvir, simplesmente; o momento de abrir mão do que se pensa, refletir e mudar; o momento de saber dar passos atrás para continuar andando para frente. 

Subsolo Urbano!

4 comentários:

  1. O Problema do Brasil e como se trata a politica, em muitos países pro cara ser politico ele tem que ser Formado em politica, muito diferente da qui que ate um palhaço e uma ex prostituta pode virar politico. e tbm as leis como por exemplo eles fazem uma votação querendo aumentar o próprio salario e eles mesmo votam nisso... e nem vou falar sobre pena justiça e etc ...

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  2. Quem é que comenta algo sendo "anônimo"? Nem deveria responder ao "anonimato", mas...
    Primeiro, como disse no texto, se trata de algo histórico, de um problema histórico da formação social do Brasil. Segundo, "ser formado em política", o que isso quer dizer? Quer dizer que o cara tem de fazer "universidade", ou algo assim? Que bizarro! FHC fez, estudou na Sorbonne. Não resolveu nada. Não se trata de "formação como político profissional", isso é se formar burocrata (cabe ler Max Weber aqui). Mas ter formação política, que é muito diferente. Enfim, não é disso que se trata e nem isso que resolve (ou se resolve). Julgar as pessoas por estereótipos é jogar a política na fossa e voltar-se para a "moral", que é esdrúxulo por si só. Enfim, como disse, não deveria responder a um anônimo, mas...

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  3. Ou seja a politica sempre vai ser suja, e não ha nenhuma saída ?
    ou sera que a unica saída e acabar com o capitalismo e viver no socialismo ?

    O fato e que a politica aqui no brasil não e levada a serio, poucas pessoas levam a serio.

    a e aqui e o Cleyton ali em cima ta anonimo porque não consigo colocar meu nome.

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    1. Qual Cleyton? Enfim...

      Pensar em "política vai ser sempre suja" é desligá-la da história e da sociedade. A política é componente da realidade, não está acima dela. Pensar em "única saída" é pensar em "verdades absolutas" e em "utopias" sem fundamento. "Acabar com o capitalismo" não é como um mágico com uma cartola que tira o socialismo após colocar um coelho...

      E quando e onde política "não é levada a sério"? Pelo senso comum? Pelos "políticos profissionais"? Pela burocracia? Mais uma vez, digo o seguinte: pensar dessa forma é cair no determinismo que coloca um obstáculo à reflexão. Deve-se pensar por meio da história, da reflexão sobre os desdobramentos históricos, sem, contudo, pensar que há uma linearidade na própria história. As pessoas, por outro lado, levam a sério um espectro de política. O problema é que só entendem como política aquilo que é transmitido pela ideologia oficial. E, ainda, todo mundo acha que sabe de tudo e esquece de ler, de refletir, de "auto-refletir". Aliás, dica: releia o texto acima com calma e tentando refletir. Pois não faz sentido o que você diz e, em partes, há uma posição quanto a isso no próprio texto.

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