sábado, 5 de maio de 2018

Apontamentos #1



          De tudo que é efêmero, o mais palpável é o sentimento da morte. É o mais palpável e, contraditoriamente, o mais fugaz, esfumaçado. Todo prédio que cai leva consigo um pedaço da persistência. Não a persistência do concreto: a persistência do tabu. Nada fica, nada teima em permanecer e cumprir seu papel. De tudo que estava, nada havia que tenha permanecido, que não tivesse já o destino da fumaça. Estava, pois as coisas apenas estavam. Estavam, pois a coisas nunca mais se deram no presente. O luto, que deveria cumprir seu papel psíquico, persistir e alterar a configuração do todo pelo momento, é tabu: “tabu não é morrer; tabu é a morte”. Esta mesma que se esmaga, que se esvai na abstração do que valia mais: o higienismo e sua reprodução massiva na profusão sempre-igual dos milhares de discursos, ou a transferência da culpa, ela em sua disseminação vazia que só revela o que tem dentro dos indivíduos – o que tem dentro, não a interioridade. E o que se tem dentro passa de reprodução? Mas, reprodução de quem, de quê? Pouco importa. O luto não persiste, tampouco cumpre seu papel: a face humana da morte morreu antes dela mesma.
        Vários tiros ou o corpo arrastado em via pública – ou o corpo sumido por instância pública... Nada vale. E mesmo se valesse, valeria como mercadoria. O paradoxo está dado: valer ou não valer, that’s the question! E não se culpe o outro, bourgeois ou citoyen. A efemeridade é doença também do “crítico”. O anjo da história olharia para frente – duplamente atônito: o passado já não está mais atrás das costas. “Tabu não é morrer. Tabu é a morte!”

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          Estado de exceção? Quando? Onde? Quem não sabe definir, define. Só com uma mordaça se poderia definir exceção – ou sem ela, tanto faz. Quanto menos exceção, quanto mais naturalidade em tudo, mais exceção. O Estado de exceção não é poder não falar; ao contrário, é falar só o que se pode – e o que se pode nem sempre é identificável imediatamente. A “seriedade bovina” é mais realização da exceção que a mordaça.

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         Dia 05 de maio. Quem ainda lê Marx é um gênio – leitor gênio de gênio. E ser gênio não é para qualquer um. Tanto é que ele, há 150 anos, passava 10 horas se esfolando com os livros na biblioteca pública de Londres – menos aos domingos, quando passeava com as filhas, aquelas mesmas para quem lia toda noite, Shakespeare de preferência, antes de dormirem. O primeiro rascunho sério de O Capital, os Grundrisse, datam de 10 anos antes da primeira edição do volume 1 do dito cujo. Gênio! Gênio? Será? Fôlego, paciência, persistência, Trabalho – com T. Quem define o gênio nunca foi leitor seriamente. Quem se define gênio nunca se deu conta que o cosmo não é o próprio umbigo – ou o eu, que dá no mesmo.
         O sujeito mais difamado de, pelo menos, 150 anos para cá, teve e tem poucos leitores que o levaram a sério. Parvoíce und cretinice! Sim, é assim que se define. Pois crítico é quem lê, interpreta, sua em cima do texto e do pensamento. Quem difama – consequentemente sem ter lido nada além da capa, nem orelha! – não pode ser dito crítico. Gênio? Risos. Viva os 200 anos do primeiro crítico sério da banalidade sistematizada. Luto ou festejo? Pouco importa: dia 06 ninguém mais se lembrará de nada.

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      Um corpo que cai – só em Hitchcock! Reprodução à exaustão. Discursos efusivos. Os “sensíveis” fazem o mesmo jogo dos brutos: quem entra na ciranda tem de cirandar. Quem fez a ciranda? Só a abstração sabe. Efusivos, parvos, títeres. Quem entra na roda, roda. E como roda. O jogo não se supera com gol, mas com a superação do campo. Se um corpo cai, um espírito deveria se cindir. Mas o verbo no futuro do pretérito anula desde antes a ação. O corpo cai, se desfaz no concreto armado em fogo. O concreto? Só a abstração dominante prevalece. Alguns chamam pelo nome da mediação, obliquamente: especulação. Outros criam todo tipo de “teoria” – reprodução? – para justificar seus próprios eus. O que fica... bem, o que fica é o que antes já estava: pouco importa o que se deu. Mesmo os daqui – os “sensíveis” – justificam a barbárie – basta ver os perfis sorridentes que em luto permanecem sorridentes. “Morrer não é tabu. Tabu é a morte”. A forma mercadoria permanece igual e faz o meio de campo de tudo: ela produz, também, a sua forma de consumo – frise-se: ela produz – o resto é predicado quase banal. Tabu? É a morte!  

Subsolo!

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